segunda-feira, 20 de julho de 2009

EEB "Julius Karsten"Estudo sobre Afrodescendentes

EEB "Julius Karsten"
Estudo Afrodescendentes


Este blog tem por finalidade fazer com que os alunos socializem nas atividades sobre as questões afrodescendentes; conhecer a história dos afro-brasileiros que sofreram tanto com a escravidão no Brasil e venha quebrar a barreira do preconceito que existe entranhada em pessoas que cultuaram este estigma, pois, perante ao criador somos todos iguais.

"Ébano e o marfim vivem juntos em perfeita harmonia,
Lado a lado no teclado do meu piano. Oh, Senhor, por quê nós não?"
(Paul McCartney & Stevie Wonder)

Paul McCartney & Stevie Wonder tornando uma bela declaração de confiança, amor, respeito, compreensão e educação que são mais iguais do que satisfaz a pele!



Uma história do negro no Brasil

Uma história do negro no Brasil, páginas 11 - 221 (Texto adaptado para o ensino fundamental_ 5ªs a 8ªs séries) elaborado pelo Professor Nivaldo Sabino Ferreira.

Albuquerque, Wlamyra R. de
Uma história do negro no Brasil / Wlamyra R. de Albuquerque,
Walter Fraga Filho. _Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais;
Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. Páginas 11 - 221
Capítulo I

1. História da África e a escravidão africana

Na África havia impérios poderosos como o Mali, pequenas aldeias e grupos nômades de comerciantes, agricultores e pastores que se deslocavam sempre que as condições climáticas ou negócios assim os obrigassem. Entretanto, a expansão de reinos, a migração de grupos, o trânsito de caravanas de mercadores, a disputa pelo acesso aos rios, o controle sobre estradas ou rotas podiam implicar em guerra e subjugação de um povo a outro.

Escravidão doméstica

Era comum que os vitoriosos fizessem alguns escravos dentre os membros de um vilarejo vencido em luta armada. Era a chamada escravidão doméstica, consistia em aprisionar alguém para utilizar sua força de trabalho, na agricultura familiar. A terra de nada valia sem que se tivesse gente empregada no cultivo de alimentos. Os escravos eram poucos por unidade familiar, mas a posse deles assegurava poder e prestígio para seus senhores, já que representavam capacidade de auto-sustentação da linhagem. Nesse tipo de cativeiro se preferia mulheres e crianças. A fertilidade das mulheres garantia a ampliação do grupo. Daí que eram legítimas as escravas se tornarem concubinas e terem filhos com os seus senhores. Os filhos de cativos, quando nascidos na casa do senhor, não podiam ser vendidos e seus descendentes iam, de geração em geração, perdendo a condição servil e sendo assimilados à linhagem.
Em muitas sociedades africanas, o cativeiro era a punição para quem fosse condenada por roubo, assassinato, feitiçaria e, às vezes, adultério. A penhora, o rapto individual, a troca e a compra eram outras maneiras de se tornar escravo. As pessoas podiam ser penhoradas como garantia para o pagamento de dívidas. Nesta situação, caso seus parentes saldassem o débito, extinguia-se o cativeiro. Tais formas de aquisição de cativos foram mais ou menos comuns em diferentes períodos e lugares da África. O povo Sena de Moçambique, a escravidão também era uma estratégia de sobrevivência quando a fome e a seca se faziam desastrosas. A venda ou troca de um indivíduo da comunidade podia garantir a sobrevivência do grupo, inclusive de quem era escravizado. Desde que os árabes ocuparam o Egito e o norte da África, entre o fim do século VII e metade do século VIII, a escravidão doméstica, de pequena escala, passou a conviver com o comércio mais intenso de escravos.
Os árabes organizaram o tráfico de escravos como empreendimento comercial de grande escala na África. Tratava de centenas deles serem trocados e vendidos, tanto dentro da própria África quanto no mundo Árabe e, posteriormente, no tráfico transatlântico para as Américas, inclusive para o Brasil.

A escravidão islâmica

Desde os fins do século VIII, os árabes, partindo da região do Golfo Pérsico e da Arábia, disseminaram o islamismo pela força da palavra, dos acordos comerciais e das armas. Eram as guerras santas, as jihad, destinadas a islamizar populações, converter líderes políticos e escravizar os “infiéis”, ou seja, quem se recusasse a professar a fé em Alá. Um dos primeiros povos a se converter ao islamismo, na África do Norte, foi o povo berbere. As cáfilas, como ficaram conhecidas as grandes caravanas que percorriam o Saara, eram formadas principalmente por berberes islamizados. Foi assim, seguindo a trilha desses comerciantes, que o islamismo ganhou adeptos na região sudanesa, na savana africana ao sul do deserto do Saara. Eram longas viagens por rotas que, no século IX, ligavam Marrocos, Argélia, Líbia, Tunísia e o Egito às margens dos rios Senegal e Níger, ao sul da Mauritânia e ao lago Chade. Já na metade daquele século os escravos eram os principais produtos dos caravaneiros do Saara, que por ali transportaram cerca de 300 mil pessoas. As cáfilas rumavam do Norte da África para as savanas sudanesas carregadas de espadas, tecidos, cavalos, cobre, contas de vidro e pedra, conchas, perfumes e, principalmente, sal. No retorno, depois de meses, traziam ouro, peles, marfim e, cada vez mais, escravos. Calcula-se que, entre 650 e 1800, esse tráfico transaariano de escravos vitimou cerca de 7 milhões de pessoas, sendo que 20 por cento delas morreram no deserto.
Viu-se a conversão de populações inteiras, fosse para escapar do risco do cativeiro, já que apenas os infiéis podiam ser escravizados. O Corão (O livro sagrado do islamismo) não condenava o cativeiro. O infiel, ao ser escravizado, “ganhava” a oportunidade da conversão e, depois devidamente instruído nos preceitos islâmicos, tinha direito a voltar a ser livre. A intensificação do comércio de longa distância exigia o aumento do número de cativos. Estava a seu encargo o transporte das barras de sal, dos fardos de tecidos, dos cestos de tâmaras (Palmácea de grande porte, originária da Ásia e África, cujo fruto, de uma única semente, é utilizado também seco), das armas, dos objetos de cobre. A conquista de territórios e o domínio de líderes locais dispostos a interpretar à sua maneira a lei islâmica, requeriam mais e mais soldados. Todo o mundo árabe foi se revelando um bom mercado para os cativos trazidos não só da África, mas também da Índia, China, Sudeste da Ásia e Europa Ocidental. Mas, foi a África negra quem mais abasteceu os mercados de escravos, principalmente depois da ocupação do Egito e do Norte da África pelos árabes. Ainda no século IX, o califado (Título de soberano muçulmano) de Bagdá chegou a contar com 45 mil escravos negros trazidos pelos comerciantes berberes. A partir do século X, o número de escravos provenientes da África subsaariana excedia em muito o de turco (natural ou habitante da Turquia; otomano) e eslavos (Grupo étnico e linguístico que abrange os poloneses, checos, eslovacos, búlgaros, russos e outros povos afins, da Europa Central). No século XVIII aproximadamente 715 mil pessoas foram capturadas na África negra e escravizadas no Egito, Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos. Esse tráfico voraz de gente de cor preta explica a presença de negros nas populações árabes.

A escravidão cristã

A partir do século XV, com a presença européia na costa da África, esse processo ganhou dimensão intercontinental e fez da África a principal região exportadora de mão-de-obra do mundo moderno. Entre os países foram os holandeses, franceses, ingleses, espanhóis e, principalmente, portugueses lançaram-se na conquista dos mercados africanos. Os barcos lusitanos tomaram a direção dos ventos que pudessem levá-los à costa africana, aonde chegaram na metade do século XV. E foi grande o assombro dos africanos que viviam em Arguim — região do atual Senegal ao sul do Cabo Branco, ao notarem que barcos enormes e estranhos se aproximavam da costa. É certo que os primeiros encontros entre portugueses e africanos não foram amistosos. Flechas envenenadas de um lado e mosquetes de outro fizeram algumas baixas, entretanto, coube aos tradutores dos portugueses estabelecerem contatos amistosos com a gente da terra. E, ali, nas proximidades do rio Senegal tratava-se de gente e terras que faziam parte do império jalofo. Logo, os europeus mostraram interesse em conseguir ouro, já os reis jalofos queriam os produtos que costumavam adquirir com os caravaneiros do deserto Os portugueses não conseguiram o ouro tão desejado, mas zarparam abastecidos de escravos, como faziam os mercadores do Saara.
Havia, por exemplo, uma crença entre os africanos de que os europeus eram ferozes canibais, capazes de devorar a carne negra e guardar o sangue para tingirem tecidos ou preparar vinho.
Desconfiados de que os europeus podiam prejudicar seus negócios, nada lhes foi facilitado. Os europeus persistiram. Arguim foi escolhida para servir de entreposto comercial. Lá, construíram a primeira feitoria (posto de troca) portuguesa fortificada na África em 1445, para onde pretendiam desviar o comércio transaariano. Aí, foi crescendo os negócios com os africanos que viviam nas proximidades do rio Gâmbia, gente do poderoso Império do Mali. Tanto que, por volta de 1460, tinham com eles boas relações comerciais.

A Costa do Ouro

Ao longo dos séculos XVI e XVII, novas perspectivas de negócios surgiram para os portugueses com o comércio de cabotagem (navegação mercante em águas costeiras de um só país) realizado na região conhecida como Costa do Ouro. Os portugueses se deram conta do funcionamento dessa rede e do valor do escravo como moeda de troca. No litoral, a venda de escravos passou a determinar a prosperidade e a força militar de uns e a miséria de outros grupos africanos. Umas das feitorias foi o castelo de São Jorge da Mina foi a mais importante delas. Em 1482, onde hoje é a República de Gana que pretendiam permanecer por muito tempo na região, oito anos a fortaleza estava pronta. Em 1637, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais a tomou de assalto Estima-se que, entre 1500 e 1535, os portugueses levaram para o castelo de São Jorge entre dez e doze mil escravos.

A Costa dos Escravos

Antes dos portugueses começarem a comercializar no Golfo do Benim não havia grandes reinos africanos em regiões florestais. No Benim o controle comercial era do rei que comprava e vendia sal, peixe seco, noz de cola, couros, tecidos e cobre. Os portugueses tentaram convertê-lo ao catolicismo. Há estimativas de que 75% das pessoas vendidas nas Américas foram vítimas de guerras entre povos africanos. A avidez por escravos reorganizou de tal maneira o mapa político africano que alguns reinos experimentaram o apogeu nos séculos XVII e XVIII graças ao tráfico negreiro. Foi o caso dos reinos de Daomé, Sadra, Achanti e Oió. Até o século XVI, Oió era apenas uma cidade-estado iorubana que tinha na agricultura e na tecelagem as suas principais atividades.
Nos portos da Costa dos Escravos, ingleses, holandeses, franceses, portugueses e brasileiros abarrotavam os navios de gente destinada a ser “exportada” para as Américas. Os africanos escravizados, moradores de pequenas aldeias cada vez mais distantes do litoral, eram vítimas de assaltos e guerras. Presas pelo pescoço umas às outras, essas pessoas eram levadas para os mercados onde guardavam os compradores, às vezes por meses. Eram então trocadas, no século XVIII, principalmente pelo fumo de rolo produzido na Bahia. O reino do Daomé foi fortemente centralizado e se desenvolveu a partir de 1700 com o próprio tráfico atlântico. O tráfico era tão fundamental para o reino de Daomé que em 1750, 1795 e 1805 foram enviados embaixadores daomeanos à Bahia com a incumbência de firmar acordos de monopólio comercial para o envio de cativos.

Kongo – Angola

Era 1483, quando o navegador Diogo Cão, procurando conhecer melhor a costa africana, chegou à foz do rio Zaire, onde estava estabelecido o poderoso reino do Kongo A novidade vinda do mar trouxe inquietação. Na região do Kongo-Angola pensava-se que os europeus vinham de outro mundo, que eram seres sobrenaturais. Para eles, os homens brancos que desembarcaram com Diogo Cão podiam ser espíritos de antepassados voltando para casa. A recepção aos portugueses foi calorosa. Os navegantes se mostraram entusiasmados e curiosos queriam conhecer o rei, para quem traziam presentes. Com tal fim foram enviados alguns mensageiros à cidade real, Mbanza Kongo que manteve os mensageiros em seu palácio. Ao perceber que os mensageiros enviados ao rei tardavam a voltar Diogo Cão resolveu tomar quatro reféns e levá-los diante do rei de Portugal, com a promessa de trazê-los de volta depois de algumas luas. Quando retornaram para o Kongo os quatro africanos estavam vestidos como europeus e falando português.
Em 1489, enviou numa das caravelas de Diogo Cão vários presentes e uma embaixada ao rei português, D. João II. O objetivo dos embaixadores era solicitar autorização para que rapazes do reino africano pudessem ser educados na Europa, conseguir que padres católicos fossem enviados ao Kongo, assim como mestres no ofício da carpintaria, pedraria e agricultura. Além de propagar o catolicismo, D. Afonso sempre se mostrava interessado em aproximar o Kongo de Portugal também por meio dos costumes, língua, ensino e conhecimento tecnológico. Quanto mais as elites do Kongo desejavam os produtos europeus, como queria D. Afonso, mais risco corria o seu reinado. Até então a escravidão no Kongo era do tipo doméstico, embora nas cidades fosse comum que um número significativo de prisioneiros de guerra estivesse a serviço da nobreza Mas, aos poucos, os cativos passaram a ser usados como meio de conversão da moeda local para a portuguesa, sem o intermédio da nobreza e do rei. Os portugueses intensificavam o comércio de escravos com Ndongo (Angola), vizinhos e vassalos do Kongo, sem a intermediação de D.Afonso. Em 1575, quando as terras diante da ilha de Luanda foram consideradas uma capitania portuguesa. Os portugueses resolveram concentrar suas forças no comércio de escravos que lhes rendia muito lucro e menos trabalho, pois eram os próprios moradores de Luanda que se lançavam à caça de cativos. Angola, desde fins do século XVI até a primeira metade do século XVIII, foi o maior fornecedor de escravos para as Américas portuguesa e espanhola. Entre 1575 e 1591 foram embarcados da região de Angola mais de 52 mil africanos para o Brasil.

A África Oriental

Foi na África ocidental que a presença portuguesa foi mais evidente. Sofala, Moçambique, Zanzibar e outras cidades-estado estavam na fronteira do mundo islâmico. A presença de estranhos não era bem vinda, e disso os portugueses logo souberam, haja vista a hostilidade com que foram recebidos. Os portugueses tentaram manter a hegemonia (preponderância, supremacia) na região construindo fortificações. Ergueram uma na ilha de Moçambique, que era a capital dos estabelecimentos portugueses na África Oriental, e em 1593 foi edificada em Mombaça a maior delas, a fortaleza de Jesus. Esta fortaleza sofreu ataques de grupos muçulmanos, Como se via na parte ocidental da África, foi com escravos que os aventureiros portugueses, holandeses e ingleses conseguiram acumular fortuna. Além dos incalculáveis sofrimentos causados pela separação forçada de indivíduos de suas comunidades e famílias, aquele comércio promoveu o esvaziamento demográfico de muitas regiões da África.


Capítulo II

ÁFRICA E AFRICANOS NO TRÁFICO ATLÂNTICO

A África do tráfico brasileiro


Estima-se que, entre o século XVI e meados do século XIX, mais de 11 milhões de homens, mulheres e crianças africanos foram transportados para as Américas. Não inclui os que não conseguiram sobreviver e aos rigores da grande travessia atlântica cerca de 4 milhões, desembarcou em portos do Brasil. A retirada violenta de africanos de suas comunidades foi a solução encontrada pelas potências coloniais européias para povoar e explorar as riquezas tropicais e minerais das colônias no Novo Mundo.
A principal fonte de renovação da população cativa no Brasil estava ligada à agricultura de exportação, como cana-de-açúcar. Além dos que morriam, o tráfico repunha os que saíam do sistema através da alforria (liberdade concedida a escravo) ou da fuga para os quilombos (refúgio de escravos fugidos). Antes de investir maciçamente no tráfico africano, os colonos portugueses recorreram à exploração do trabalho dos povos indígenas. O índio escravizado era chamado de “negro da terra”, distinguindo-o assim do “negro da guiné”, como era identificado o escravo africano nos séculos XVI e XVII. Através das chamadas “guerras justas”, comunidades indígenas que resistiram à conversão ao catolicismo foram submetidas à escravidão. Por volta da segunda metade do século XVI, a oferta de escravos indígenas começou a declinar e os africanos começaram a chegar em maior quantidade para substituí-los.
Diversos fatores levaram à substituição do índio pelo africano. As epidemias (doenças) dizimaram grande número dos que trabalhavam nos engenhos ou que viviam em aldeamentos (povoação de índios dirigida por missionários ou por autoridade leiga) organizados pelos jesuítas. A fuga dos índios para o interior do território provocou aumento dos custos de captura e transporte de cativos até aos engenhos e fazendas do litoral. Além do mais, o apresamento (capturar) não atendia ao interesse da Coroa portuguesa de ligar o Brasil ao comércio europeu e africano. A escravidão indígena perdurou por muito tempo em várias regiões da colônia até os últimos anos do século XVIII. Ao atual Estado do Amazonas, onde se estendeu até o século XIX.
No século XVIII, o comércio para Benguela e Luanda já era feito diretamente do Brasil, sem a intermediação exclusiva de comerciantes portugueses. Até a sua proibição, em 1850, o tráfico transatlântico fez grandes fortunas no Brasil. O tráfico era justificado como instrumento da missão evangelizadora dos infiéis africanos.

O povoamento do Brasil através do tráfico

Foram os africanos e seus descendentes, juntamente com os indígenas escravizados, que desbravaram matas, ergueram cidades e portos, atravessaram rios, abriram estradas que conduziam aos locais mais remotos do território. Os escravos que conduziam tropas e carretos que tornaram possível o intercâmbio entre o interior e as cidades litorâneas. Desde meados do século XVI grande número de africanos desembarcou em cidades litorâneas como Salvador, São Vicente (São Paulo), Rio de Janeiro, Recife. Na primeira metade do século XVIII, quando colonizadores avançaram para o Mato Grosso em busca de ouro, além de instrumentos de mineração levaram também escravos africanos. A vila de Cuiabá em 1726 ganhou seu pelourinho (coluna, em lugar público, junto à qual se expunham e castigavam criminosos), símbolo do poder municipal e o local onde publicamente se castigavam escravos. Ali o trabalho escravo tornou-se tão importante que um dos impostos cobrados pela Coroa portuguesa, a capitação (Tributo cobrado em valor igual por pessoa), baseava-se na quantidade de escravos que possuíam os mineiros. Já na região amazônica, a constituição de um tráfico negreiro regular só se tornou possível em meados do século XVIII. Na época, cerca de dezoito embarcações transportavam africanos para os portos de São Luís e Belém. Grande parte dos cativos era destinada às lavouras de cacau, o principal produto de exportação da região. Levados pela busca do ouro, pela criação de gado e pela exploração das “drogas do sertão” (canela, castanha, cravo, guaraná, pimenta, urucum, baunilha, jatobá, guanandi (jacareúba) andiroba, sucupira) etc..) , os colonizadores reproduziram nos novos núcleos de povoamento o mesmo modelo escravista praticado nas regiões litorâneas. Os europeus os trouxeram para trabalhar e servir nas grandes plantações e nas cidades, mas eles e seus descendentes fizeram muito mais do que plantar explorar as minas e produzir riquezas materiais. Muitas das práticas da criação de gado eram de origem africana. A mineração do ferro no Brasil foi aprendida dos africanos. A língua portuguesa não apenas incorporou novas palavras, como ganhou maior espontaneidade e leveza. Enfim, podemos afirmar que o tráfico fora feito para escravizar africanos, mas terminou também africanizando o Brasil.

Portos negreiros

A metrópole portuguesa adotou a política de misturar escravos de diferentes regiões e etnias para impedir a concentração de negros da mesma origem na colônia, os quais, solidários na cultura e falando a mesma língua, podia se rebelar mais facilmente que nem sempre era seguida à risca. No século XVI, a maioria dos escravos trazidos para o Brasil vinha da região da Senegâmbia, denominada Guiné pelos portugueses. Dali os portugueses deportaram membros de vários povos, como os manjacas, balantas, bijagos, mandigas, jalofos, entre outros. Na primeira metade do século XVIII, os chefes políticos e mercadores do território presentemente ocupado por Angola forneceram a maior parte dos escravos utilizados em todas as regiões do Brasil. A célebre frase do padre Antônio Vieira, “quem diz açúcar, diz Brasil, e quem diz Brasil diz Angola”. A região de Angola foi a principal área exportadora de pessoas para as províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Depois de 1815, quando os ingleses intensificaram seus esforços para acabar com o tráfico os traficantes do Rio de Janeiro concentraram suas operações na costa oriental, na região que abrange o que são hoje o sul da Tanzânia, o norte de Moçambique, Malauí e o nordeste de Zâmbia. Os escravos da costa oriental da África eram aqui conhecidos como “moçambiques”. Já os traficantes envolvidos no comércio baiano, responsáveis pelo suprimento de escravos para várias regiões nordestinas, a partir de meados do século XVIII e até o fim do tráfico em 1850, pelo suprimento de escravos para várias regiões nordestinas, a partir de meados do século XVIII e até o fim do tráfico em 1850, se concentraram, sobretudo no comércio com a região do Golfo do Benim (sudoeste da atual Nigéria). Através do Golfo do Benim, os traficantes baianos importaram escravos aqui denominados dagomés, jejes, haussás, bornus, tapas e nagôs, entre outros. Estes grupos eram embarcados principalmente nos portos de Joaquim, Ajudá, Popo e Apá, e mais tarde Onim (Lagos). No Rio de janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul os escravos originários daquela região eram chamados de minas. O fato de ter vindo de uma mesma região falar a mesma língua foi fundamental para a sobrevivência dos africanos no Brasil. Puderam reconstruir redes de amizade, famílias e comunidades.


A travessia atlântica

O escravo apresado no interior africano era obrigado a percorrer longas distâncias até alcançar os portos de embarque no litoral. Muitos não resistiam à longa caminhada, às doenças e aos maus tratos. Nos portos eram alojados em grandes barracões ou em cercados. Ali permaneciam muitos dias e até meses à espera que as cargas humanas dos navios fossem completadas e os cativos partissem para um mundo completamente desconhecido.
. O africano Mahommah G. Baquaqua viveu a experiência do tráfico e a relatou em um livro publicado em 1854: “Quando estávamos prontos para embarcar, fomos acorrentados uns aos outros e amarrados com cordas pelo pescoço e assim arrastados para a beira do mar. (....) Aqueles que remaram os barcos foram fartamente regalados com uísque e, aos escravos, serviam arroz e outras coisas gostosas em abundância. Não estava ciente de que esta seria minha última festa na África. Não sabia do meu destino.....”
Os africanos eram conduzidos aos navios negreiros, também chamados de tumbeiros. Antes de entrar nas embarcações, eles eram marcados a ferro quente no peito ou nas costas com os sinais que identificava a que traficante pertenciam, uma vez que em cada barco viajavam escravizados pertencentes a diferentes donos. No interior das embarcações, por segurança, os cativos eram postos os ferros até que não se avistasse mais a costa africana. As condições das embarcações eram precárias porque, para garantir alta rentabilidade, os capitães só zarpavam da África com número máximo de passageiros.
Nos séculos XVI e XVII, uma caravela era capaz de transportar cerca de 500 cativos e um pequeno bergantim (antiga embarcação à vela e a remo, com um ou dois mastros de galé) podia transportar até 200. No século XIX, os traficantes utilizaram os navios a vapor, o que reduziu o tempo das viagens. Nos últimos anos do tráfico, a média de escravos transportados por navio era de 350. Em 1642, um holandês que atuava no tráfico em Luanda informou que os mercadores portugueses costumavam alimentar o escravo com azeite e milho cozido. A pouca ingestão de água durante a viagem geralmente provocava desinterias e desidratação. No século XVII, a travessia de Angola para Pernambuco durava em média trinta e cinco dias, quarenta até a Bahia e cinqüenta até o Rio de Janeiro. No século seguinte, o uso de embarcações menores e mais velozes diminuiu a duração das viagens.
Relato de Mahommah G. Baquaqua sobre o interior de um navio negreiro: “Fomos arremessados, nus, porão adentro, os homens apinhados de um lado e as mulheres do outro. O porão era baixo que não podíamos ficar em pé, éramos obrigados a nos agachar ou a sentar no chão. Noite e dia eram iguais para nós, o sono nos sendo negado devido ao confinamento de nossos corpos. Ficamos desesperados com o sofrimento e a fadiga. (.......) Meu coração até hoje adoece ao pensar nisto.”

Muitas vezes, a taxa de mortalidade durante a travessia do Atlântico era extremamente elevada. a galera São José Indiano, aportada em outubro de 1811, no Rio de Janeiro, oriunda de Cabinda, perdeu 121 de seus 667 escravos, mais o capelão e três marinheiros, calculam entre 15 a 20% de mortos durante uma viagem normal, mas não era incomum haver 40 a 50 por cento de perdas. as mortes a bordo a fatores como escassez de alimentos e água, maus-tratos, superlotação e até mesmo ao terror da experiência vivida, que debilitava física e mentalmente os africanos. Havia ainda a morte provocada por suicídio. Mesmo considerando o alto índice de mortalidade, o tráfico era um negócio bastante lucrativo. Em dezembro de 1649, frei Sorrento, capuchinho italiano, à bordo de um negreiro contendo mais de novecentos escravos, escreveu: “aquele barco [...] pelo intolerável fedor, pela escassez de espaço, pelos gritos contínuos e pelas infinitas misérias de tantos infelizes, parecia um inferno”.
José Lins do Rego recordou uma ex-escrava chamada Galdina: “Ah! Como doía nas costas o chicote do homem que mandava nos negros. De manhã se subia para ver o sol. Todos estavam nus e fedia o buraco onde tinham que dormir. Mas de noite ouvia um rumor de bater de asas. Asas brancas que voavam para cima dela. Era o vôo das almas que não podiam voar para o céu. Todas as noites elas vinham bater pelas janelas do barco. Elas só podiam voar para o céu, saindo da terra. Os corpos dos que eram lançados na profundeza do mar não davam almas nem para o céu nem para o inferno [...]. De noite ainda vejo os pássaros grandes em cima do telhado do quarto. As almas ainda não me abandonaram. A morte no mar e no interior dos tumbeiros impedia que os espíritos retornassem para perto de seu povo e aldeia de origem.” “Chamavam-se malungos” uns aos outros, uma amizade que gerava profunda solidariedade e verdadeiras obrigações de ajuda mútua.
Em 1836, um africano forro organizou o retorno à África de 200 escravos alforriados baianos. Sessenta deles fizeram parte do carregamento do navio Emília, proveniente de Onim, que os desembarcara junto com o organizador do retorno na Bahia em 1821. Para afastar os riscos de motins, os mais inquietos eram acorrentados nos porões. Os escravos novos eram geralmente do sexo masculino, entre 10 e 30 anos de idade, a maioria na faixa dos 20. Mulheres e crianças eram mais valorizadas no mercado interno africano. Havia escassez de mulheres nas regiões de grandes plantações de cana e de café, algo que perdurou até o final da escravidão. No século XIX, em regiões cafeeiras do Rio de Janeiro, para dez escravos, seis ou sete eram homens. Nos grandes centros urbanos, havia dois escravos para uma escrava. Em Angola, por exemplo, durante a época do tráfico, o numero de mulheres superava o de homens.

A chegada dos sobreviventes ao Brasil

Os africanos desembarcavam nos portos do Brasil no Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém e São Luís. No século XVII, Salvador e Recife se firmaram como os grandes centros distribuidores dos africanos que desembarcavam na colônia. Daqueles centros, os africanos seguiam para o norte, para o Maranhão, Pará, Rio Amazonas e para o Mato Grosso. No final do século XVII e começos do XVIII, com a descoberta de ouro e diamantes nas Minas Gerais, o Rio de Janeiro passou a dominar a distribuição do grande volume de escravos destinados às minas. Mas também de Salvador muitos escravos seguiam a pé até a região mineira.
No século XVIII, Belém e São Luís tornaram-se centros importantes de venda de africanos para toda a região amazônica. Muitos dos africanos desembarcados em Belém eram trazidos diretamente da África, mas, no início do século XIX, muitos outros vinham do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Ceará.

Após o desembarque, as autoridades alfandegárias contavam-nos por sexo e anotavam o número de “crias” (assim eram chamadas às crianças escravas) que acompanhavam as mães. Depois de pagarem impostos sobre os escravos acima de três anos de idade, os traficantes levavam os africanos em grupo para o local do leilão. Se houvesse compradores suficientes, eram imediatamente leiloados perto da alfândega. No Rio de Janeiro, a área portuária conhecida como Valongo concentrava dezenas de sobrados que funcionavam como depósitos onde eram alojados os africanos recém-chegados. Ali havia armazéns que alojavam trezentos a quatrocentos cativos. Os africanos chegavam quase invariavelmente magros e debilitados, com feridas na pele, brotoejas e sarna. As crianças geralmente apresentavam barrigas inchadas em conseqüência de vermes e da desnutrição. Quando a epidemia de oftalmia, uma inflamação dos olhos, disseminava-se a bordo, era comum os vendedores puxarem pela corda extensas filas de escravos quase ou completamente cegos, amarrados e tropeçando uns nos outros até os armazéns, permaneciam por vários dias ou semanas recuperando se da viagem e à espera de comprador.
Os que sobreviviam tinham que enfrentar a preparação para a venda, inspeção e compra. Ao chegar ao mercado, eram banhados e limpos. Negros da mesma nação raspavam cabelos e barbas uns dos outros. Para esconder doenças da pele e fazê-los parecer mais jovens, os negociantes às vezes passavam óleo sobre a pele.
Alguns escravos a bordo sabiam falar português. Haviam vivido no litoral com famílias portuguesas e faziam o papel de interpretes. Não eram colocados no porão como nós, mas desciam ocasionalmente para nos dizer uma coisa ou outra. Estes escravos nunca sabiam que seriam despachados até o momento em que eram colocados a bordo do navio. Quando um navio negreiro aporta, a notícia espalha-se como um rastilho de pólvora. Acorrem, então, todos os interessados na chegada da embarcação com sua carga de mercadoria viva, selecionando do estoque aqueles mais adequados aos seus propósitos, e comprando os escravos na mesmíssima maneira como se compra gado ou cavalos num mercado. Mas, se num carregamento não houver o tipo de escravo adequado às necessidades e desejos dos compradores, encomenda-se ao Capitão, especificando os tipos exigidos, que serão trazidos na próxima vez em que o navio vier ao porto.
Os comerciantes aumentavam a quantidade de alimentação engordante para recuperarem logo peso e parecerem sadios. Além de alimentar os africanos, tratar de suas enfermidades e vaciná-los, os comerciantes tentavam melhorar a saúde mental deles para evitar o suicídio. A doença mais temida era o escorbuto, conhecida também como o mal-de-luanda, provocada pela deficiência profunda de vitamina C.
Além de obrigarem os cativos a consumirem frutas, os comerciantes os forçavam a dançar, porque associavam a letargia mental que acompanha o escorbuto e outras doenças nutricionais à saudade de casa. Para convencer os compradores de que os escravos não estavam deprimidos, com o famoso banzo (nostalgia mortal dos negros que eram escravizados e exilados de suas terras.), os negociantes davam-lhes estimulantes (gengibre e tabaco) para animá-los. Casas comerciais e negociantes licenciados em escravos novos, que traficavam grande quantidade de africanos, exibiam-nos nas portas de casas ou armazéns. Os negociantes colocavam anúncios nos jornais informando ao público que um novo “carregamento” estava disponível. No dia marcado, os feitores organizavam suas mercadorias humanas para expor aos compradores — em geral, por idade, sexo e nacionalidade. Quando organizados por idade, os mais velhos, entre trinta e quarenta anos, sentavam-se na fileira de trás; os mais qualificados, entre quinze e vinte anos, ocupavam os assentos do meio; mulheres e crianças ficavam nos assentos mais baixos ou no chão. Caso não tivesse doenças, o homem adulto normalmente era vendido por preço mais alto do que mulheres e crianças menores de dez anos. Os fazendeiros que compravam todo um “lote” de escravos muitas vezes empenhavam colheitas futuras de café ou açúcar para pagá-los.
Se dentro de quinze dias o escravo novo morresse, ou se o comprador descobrisse alguma deformidade, doença crônica ou conduta indesejável, havia a opção legal de devolvê-lo e receber um outro.
Do Rio de Janeiro, por exemplo, os africanos eram redistribuídos para as províncias de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Do Rio Grande podiam ser contrabandeados para o Chile, Bolívia, Argentina e Uruguai. Da cidade da Bahia, os escravos também seguiam direções diversas. Pela Estrada Real, que ligava a Bahia a Minas, Mato Grosso e Goiás, marchavam imensos comboios de escravos conduzidos por tropeiros.
Além dos comerciantes que compravam numerosos escravos e os remetia para fazendeiros fora da cidade, os tropeiros e mascates compravam pequenos lotes e os revendiam nas vilas e fazendas do interior.

Fim do tráfico transatlântico

Desde o início do século XIX, o tráfico africano de escravos vinha sofrendo forte pressão para ser abolido a Inglaterra. A Inglaterra foi a segunda potência traficante no Atlântico, perdendo apenas para Portugal/Brasil em número de escravos transportados em seus navios. Mas, em 1807, pressionado por um forte movimento abolicionista, o parlamento inglês decretou o fim do tráfico para suas colônias na América e, em 1833, aboliu também a escravidão. Em 1815, no Congresso de Viena, o governo inglês conseguiu aprovar uma proposta que proibia o tráfico ao norte da linha do Equador. Essa medida causou grande impacto no comércio de escravos do Brasil
Em 1817, D. João VI concedeu à marinha britânica o direito de visita e busca em navios suspeitos de comércio ilícito de escravos. Em 1826, em troca do reconhecimento da independência, o governo inglês exigiu do governo brasileiro o compromisso de extinguir o tráfico em três anos. Em 7 de novembro de 1831, o parlamento brasileiro aprovou uma lei proibindo a importação de africanos.
Desde o início do século XIX José Bonifácio, já vinha manifestando publicamente sua posição favorável à abolição do tráfico. Jornais da época, vez por outra, traziam artigos condenando os horrores daquele negócio. Muitos que defendiam a abolição do tráfico o faziam pelo medo de que a crescente importação de africanos levasse a uma africanização do país. Para estes era preciso injetar sangue europeu na população do Brasil. A lei de 1831 não foi rigorosamente implementada pelas autoridades brasileiras. A entrada de africanos aumentou significativamente entre 1830 e 1840, pelo crescimento da cultura cafeeira no Sudeste.
Depois de 1831, os africanos novos eram desembarcados à noite nas praias e obrigados a marchas forçadas até os armazéns ou barracões clandestinos distantes do centro das cidades. Na África, a vigilância da marinha britânica provocou mudanças significativas na forma como as operações comerciais eram realizadas. Na região do Golfo de Benim, o embarque de escravos passou a ser feito em pequenos portos espalhados pelo litoral. Para fugir à perseguição da marinha inglesa, os traficantes passaram a utilizar embarcações menores, mais rápidas e com capacidade de transportar em torno de cem pessoas. Em 1845, o parlamento britânico aprovando uma lei que permitia o apresamento e confisco de qualquer navio suspeito de transportar escravos, mesmo navegando em águas territoriais brasileiras. Este ato ficou conhecido como Bill Aberdeen em homenagem a seu autor. A marinha britânica passou apreendendo ou afundando navios brasileiros que atuavam no tráfico. As relações diplomáticas entre os dois países ficaram seriamente estremecidas, mas o tráfico continuou por mais cinco anos. Em 4 de setembro de 1850, os deputados brasileiros aprovaram a Lei Eusébio de Queirós, proibindo definitivamente o tráfico negreiro.
A abolição do tráfico teve várias conseqüências. Não havia como renovar a população escrava o número de crioulos (negros nascidos no Brasil) tendeu a crescer na população cativa. O preço dos cativos aumentou como conseqüência a concentração dos escravos em mãos de um número cada vez mais reduzido de proprietários. Os menos afortunados vendiam seus escravos para os mais ricos. Crescente por mão-de-obra nas fazendas de café do Sudeste incrementou a transferência de escravos da cidade para o campo, das regiões nordestinas para as plantações de café do sudeste brasileiro. Entre 1871 e 1881 mais de sete mil cativos foram exportados da província do Ceará para o Sul, mais de 200 mil escravos foram deslocados para o Sudeste brasileiro. Entre 1873 e 1881, estima-se que 90 mil negros entraram na região Sudeste. Estima-se que de Minas Gerais saíram cerca de 10 mil cativos. Mas havia grande número de mulheres destinadas a serviços diversos, inclusive prostituição. Homens ou mulheres, a maioria estava apta a trabalhar, pois suas idades variavam entre 10 e 40 anos. Separados de suas famílias e comunidades, eles foram obrigados a se ajustar a novos senhores e a exigências de trabalho que desconheciam em suas regiões de origem. Notaram que os escravos importados das províncias do Norte eram os mais rebeldes da região Sudeste. Em 1854, fazendeiros de café do Vale do Paraíba do Sul, São Paulo, chegaram a formar uma comissão para estudar medidas que prevenissem uma eventual insurreição de escravos “vindos do Norte”.


Capítulo III

ESCRAVOS E ESCRAVIDÃO NO BRASIL

De africano a escravo

Por mais de trezentos anos a maior parte da riqueza produzida, consumida no Brasil ou exportada foi fruto da exploração do trabalho escravo. As mãos escravas extraíram ouro e diamantes das minas, plantaram e colheram cana, café, cacau, algodão e outros produtos tropicais de exportação na criação de gado, na produção de charque, nos ofícios manuais e nos serviços domésticos. Nas Cidades se encarregavam do transporte de objetos e pessoas e constituíam a mão-de-obra mais numerosa empregada na construção de casas, pontes, fábricas, estradas e diversos serviços urbanos responsáveis pela distribuição de alimentos, como vendedores ambulantes e quitandeiras.
Impressões de um viajante alemão, Robert Ave Lallemant, admirado com a grande população negra nas ruas de Salvador: “Tudo parece negro: negros na praia, negros na cidade, negros na parte baixa, negros nos bairros altos. Tudo que corre, grita, trabalha tudo que transporta e carrega é negro; até os cavalos dos carros na Bahia são negros.”
No início do século XIX, o Brasil tinha uma população de 3.818.000 pessoas, das quais 1.930.000 eram escravas quando foi abolido o tráfico, a maior parte dos escravos era nascida na África. Para se ter uma idéia, os africanos representavam 63% da população escrava de Salvador. No Rio de Janeiro, os nascidos na África constituíam cerca de 70 %. Até a primeira metade do século XIX, a propriedade escrava estava bastante disseminada entre as diversas camadas da sociedade, inclusive pobres e remediados. Padres, militares, funcionários públicos, artesãos, taverneiros, comerciantes e pequenos lavradores investiam em escravos. Até ex-escravos possuíam escravos. Nas cidades, a maioria dos cativos pertencia a pequenos escravistas, gente que no máximo possuía um ou dois escravos. A primeira constituição do Brasil, promulgada em 1824, em alguns aspectos considerados uma das mais modernas e liberais das Américas, manteve intacto o direito de propriedade dos senhores sobre seus escravos.

Os cativos representavam o grupo mais oprimido da sociedade, pois eram impossibilitados legalmente de firmar contratos, dispor de suas vidas e possuir bens, testemunhar em processos judiciais contra pessoas livres, escolher trabalho e empregador. Assim, os castigos físicos e as punições eram aspectos essenciais da escravidão. Os cativos tinham pouquíssimos recursos contra os castigos recebidos. Apesar da legislação colonial permitir que escravos e livres denunciassem senhores cruéis às autoridades civis ou eclesiásticas, pouquíssimos senhores responderam perante os juízes por acusações de crueldade contra escravos. O jesuíta italiano Jorge Benci, que viveu na Bahia em princípios do século XVIII, instruía os senhores a tratarem humanamente seus cativos, alimentando, vestindo, fazendo-os trabalhar, mas também os punindo com “caridade cristã”. Nos engenhos do Nordeste, nas minas e nas fazendas de café do Sudeste brasileiro, os senhores adotaram uma ideologia paternalista que consistia em colocar o escravo sob “proteção” familiar. Era preciso fugir à condição de “peça” produtiva imposta pelo escravismo e criar espaços próprios para amar, constituir famílias, criar filhos, brincar, folgar (Ter prazer ou lazer), cultuar deuses africanos e os que passaram a venerar no Novo Mundo.

Condições de vida

No século XIX, a maioria dos engenhos baianos possuía entre sessenta e oitenta escravos, mas havia propriedades operando com mais de duzentos cativos. Passava a maior parte do tempo nos canaviais começava logo ao amanhecer e terminava no fim da tarde, levantavam-se por volta das cinco horas da manhã e ao toque do sino do feitor (administrador de bens alheios, capataz.) Os pertencentes a ordens religiosas, os escravos eram obrigados a fazer uma oração matinal antes de seguir para o trabalho no canavial trabalhavam em turmas que reuniam dez ou quinze cativos às vezes embalados por cantos. Às nove horas os cativos paravam para uma pequena refeição e três ou quatro horas depois almoçavam ali mesmo no campo. A colheita era feita por homens, mulheres e crianças. Os homens cortavam cana e retiravam as folhas, as mulheres e crianças reuniam as canas em feixes para serem transportadas. Cada escravo era obrigado a cortar certa quantidade de cana.
Meninos de 10 ou 12 anos trabalhavam também como condutores de carros de boi. As crianças menores também não estavam isentas de trabalho no cultivo de alimento e a caça de animais silvestres podia ocupá-las durante todo o dia. No século XIX, cerca de 6 % dos escravos e escravas dos engenhos padeciam de “cansaço”, possivelmente uma doença relacionada ao desgaste ou exaustão que os impedia de trabalhar. As altas taxas de aborto e mortalidade infantil nos engenhos estavam relacionadas à sobrecarga de trabalho, principalmente nas épocas de colheita. a moenda ficava em funcionamento ininterrupto de dezoito a vinte horas que ia de agosto a maio. Na moagem, certas tarefas eram exercidas quase sempre por mulheres de trazer as canas para serem moídas duas ou três escravas eram ocupadas em enfiar as canas nas moendas. Todas as etapas de produção do açúcar eram acompanhadas por supervisores e feitores (administrador de bens alheios; capataz). Na casa das caldeiras (grande recipiente de metal para aquecer água, ou outro líquido, produzir vapor), o mestre de açúcar dirigia as operações de beneficiamento do caldo de modo a garantir a boa qualidade do produto. Muitos escravos aprenderam e aperfeiçoaram técnicas de fabrico e se tornaram mestres de açúcar famosos. Os escravos eram também obrigados a construir e reparar cercas, cavar fossos, consertar estradas e pontes, prover a casa-grande de lenha, reparar os barcos e os carros de boi, pastorear o gado, cuidar do pomar e das criações dos senhores. Tinham que providenciar parte do seu próprio alimento caçando, pescando ou cuidando da própria roça. Os senhores costumavam pagar os escravos especializados com pequenas quantidades de açúcar, aguardente, melaço, roupa ou mesmo em dinheiro.

Vestir, morar e comer

Fazendas de café do sudeste brasileiro, os escravos trabalhavam de quinze a dezoito horas diárias sob as vistas do feitor. Às nove ou dez horas os cativos paravam para as refeições, que geralmente consistia de feijão, angu (massa de farinha de milho (fubá), de mandioca ou de arroz, com água e sal, e escaldada ao fogo), farinha de mandioca e algum pedaço de carne seca ou charque. Às quatro horas da tarde paravam novamente para mais uma refeição e voltavam a trabalhar até o pôr-do-sol, quando retornavam à sede da fazenda. Mas o trabalho não cessava ainda. Era preciso preparar a farinha de mandioca, o fubá que deveriam comer no dia seguinte. Por volta das dez horas os cativos finalmente recolhiam-se às senzalas.

Em meados do século XVIII, no auge da exploração aurífera, os escravos representavam cerca de 30 por cento da população das Minas Gerais. Nas áreas de mineração do Mato Grosso e de Goiás, o escravo estava ligado às tarefas contínuas de construção de açudes, tanques e represas de córregos para facilitar a exploração do ouro. Os senhores possuíam dez ou vinte escravos empregados na garimpagem dos rios. Na década de 1860, uma mineradora inglesa, a Companhia de Mineração de São João Del Rei, chegou a empregar 1.700 cativos. O escravo garimpeiro ficava muito tempo com parte do corpo mergulhada na água dos rios e córregos. Para evitar a morte prematura de seus cativos, os senhores mineiros freqüentemente contratavam enfermeiros ou enfermeiras negros para cuidar dos que labutavam no garimpo. Os cativos eram obrigados a trabalharem curvados, de frente para o capataz, para que não ocultassem ouro ou diamante encontrado durante o peneiramento do cascalho. Ao término de cada tarefa eram revistados.

No Rio Grande do Sul os escravos foram largamente utilizados na criação e pastoreio de gado e na produção de charque. No século XVIII, com o aumento das exportações do charque gaúcho para outras regiões do Brasil, o número de escravos assumiu grandes proporções. Nos períodos de maior atividade, entre outubro e maio, os cativos chegavam a trabalhar dezesseis horas seguidas sob vigilância dos capatazes, como eram chamados os feitores gaúchos.

Nos cafezais do Sudeste, os escravos costumavam entoar cânticos improvisados, chamados de jongos, que serviam para ritmar o trabalho. Como sabemos a morada dos escravos era chamada senzala, palavra de origem quimbundo que significa residência de serviçais em propriedade agrícola, ou morada separada da casa principal. No século XIX existiam dois modelos de senzalas: barracão, consistia de uma única construção retangular e alongada, internamente repartida em vários cubículos. Existia um barracão para homens e outro para mulheres, mas havia também compartimentos em que eram alojados casais com filhos. Eram trancadas à noite pelos feitores. O segundo modelo era formado por barracos separados, construídos com paredes de barro batido e cobertas de sapê ou telhas de cerâmica. Eram construídas pelos próprios cativos. Ali era possível cozinhar a própria comida e alimentar-se longe da vista do senhor.
Nos engenhos do Nordeste coexistiam os dois modelos de habitação: era mais comum as cabanas dispostas em filas e localizadas a certa distância da casa-grande. O espaço entre uma fileira e outra de senzalas era chamado de “rua”, uma forma de demarcar e distinguir o mundo das senzalas e o mundo da casa-grande.
Havia um baú para guardar as roupas, camas rudimentares ou esteiras para dormir, às vezes alguns tamboretes, panelas e pratos de barro e fogão a lenha. Nas regiões de mineração, os escravos moravam em choupanas chamadas de ranchos. Outra fonte de ganho era a manufatura de objetos para a venda: cortar e costurar roupa, trançar cestos de cipó e palha, fazer panelas e utensílios de barro que eram vendidos na feira. Sabe-se de escravos que tinham criação de animais, especialmente bois, porcos, galinhas, para consumo próprio e para a venda. Muitos escravos se apropriavam furtivamente de uma parte do café que produziam. Os vendeiros de beira de estrada eram muitas vezes receptadores de galinhas, porcos e café desviados das fazendas. As vestimentas dos escravos eram extremamente precárias para o ano todo recebiam um par de camisas e calças para os homens e saias de algodão cru para as mulheres e nas plantações de café do Sudeste, os escravos recebiam em geral três camisas, três pares de calça e os respectivos casacos, um chapéu e dois cobertores por ano. As mulheres recebiam saias e xales de algodão grosseiro. o trabalho de exploração do ouro e do diamante exigia pouca roupa. Geralmente vestia calção curto e usava o costumeiro chapéu. O pouco vestuário favorecia o controle, pois dificultava a ocultação de ouro ou alguma pedra preciosa. Os senhores mineiros costumavam premiar com camisas e calças os que encontravam alguma pedra preciosa. Os escravos artesãos e domésticos possuíam vestimentas melhores e mais diversificadas do que os escravos da lavoura. Foi a precária alimentação uma das causas principais da curta expectativa de vida dos cativos e das camadas mais pobres da população livre. Ao longo do período colonial e imperial, diversas leis e decretos foram criados para obrigar os senhores a fornecer alimentação suficiente ou reservar parte de suas terras ao cultivo de gêneros de subsistência, em particular a mandioca. Nos engenhos de açúcar os senhores forneciam ração diária aos cativos, geralmente composta de farinha de mandioca, feijão, peixe ou carne seca. Durante a safra de cana os cativos recebiam aguardente e subprodutos do açúcar, que eram fontes de energia para estimular o trabalho. A ração quase sempre era pouca e os escravos eram obrigados a suplementá-la com alimentos produzidos por eles próprios, podia ser complementada com caça e pesca, Em muitas propriedades permitia-se aos escravos cultivarem suas próprias roças e disporem dos produtos como bem entendessem.

Sobreviver nas cidades

Os escravos desempenharam papel fundamental no dia-a-dia das cidades. Os chamados “escravos de ganho” No século XIX, na cidade de Cuiabá, província de Mato Grosso, onde era problemático o abastecimento de água, grande parte dos escravos de ganho se ocupava em transportar água das fontes públicas para as cozinhas e banheiros dos sobrados e repetia-se nas grandes cidades – Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Vila Rica. Havia os pedreiros, pintores, carpinteiros, estivadores, marinheiros, canoeiros, cocheiros, carroceiros, sapateiros, barbeiros, alfaiates, ferreiros, costureiras, bordadeiras, parteiras, enfermeiras. Essas atividades eram exercidas majoritariamente por negros e pardos, escravos e libertos, pois eram geralmente rejeitadas pela população branca. Na sociedade escravista o trabalho que exigisse algum esforço físico era considerado aviltante (humilhante). No final do século XIX, este quadro modificou-se nas cidades do Sudeste, quando os imigrantes europeus, principalmente portugueses, já disputavam com os escravos e libertos aquelas ocupações, inclusive a de transporte de cargas. Nos sobrados urbanos encontravam-se as domésticas, cozinheiras, amas secas, amas-de-leite que limpavam, arrumavam, lavavam, engomavam e passavam roupa, cozinhavam, amamentavam e cuidavam das crianças.
Começava cedo, antes que os senhores acordassem, pois era preciso abastecer a casa de água potável, muitas vezes carregada das fontes públicas. Se pertencessem a senhores com dificuldade financeira, eram obrigadas a trabalhar em outras casas como alugadas. As escravas eram utilizadas também no serviço de vendagem de doces, mingaus, bolos, caldo de cana, caruru e outras receitas africanas. As quitandeiras e ganhadeiras enchiam as ruas com suas maneiras características de cativar os fregueses.
Nas cidades portuárias e mineradoras, a exploração do trabalho feminino nos prostíbulos. Parte da escravaria das cidades trabalhava em grandes e pequenas fábricas. Em Cuiabá, província de Mato Grosso, escravos trabalhavam em fábricas de pólvora. Rio de Janeiro muitos cativos eram empregados na fabricação de tecidos, sabão, chapéus e outros artigos de consumo. Em 1836, a fábrica de ferro São João de Ipanema, sediada em São Paulo, chegou a empregar 141 escravos. Assim, uma escrava doméstica podia, nas horas vagas, se transformar numa vendedora de doces nas ruas. O escravo urbano passava a maior parte do tempo longe das vistas dos senhores, trabalhando nas ruas, portos e construções. Os escravos de ganho faziam alguns serviços nas casas dos senhores e iam para as ruas em busca de trabalho.
Alugavam seu tempo a um e a outro, e ao final do dia ou da semana deviam entregar uma determinada soma a seu senhor ou senhora. O senhor podia também alugar o serviço de seu escravo a terceiros por um período de tempo eram os negros de aluguel.

Muitos residiam em grandes sobrados localizados nos centros das cidades, espaços abandonados pelas elites, sublocando pequenos cubículos, dividindo-os com parceiros de trabalho, com libertos ou com suas mulheres habitações conhecidas como cortiços (habitação coletiva de pessoas pobres) estes locais eram vigiados permanentemente pelas autoridades policias. Aos escravos eram proibidos o uso de armas e a circulação pelas ruas das cidades durante a noite. O escravo que vagasse à noite sem autorização de seus senhores podia ser preso como suspeito de fugido. A cidade de Vitória, província do Espírito Santo determinou: “todo escravo que for encontrado na cidade sem bilhete do senhor será conduzido à cadeia e no dia seguinte castigado no Pelourinho (coluna, em lugar público, junto à qual se expunham e castigavam criminosos.) com cinqüenta açoites; se for mulher, receberá quatro dúzias de palmatoadas ou palmatória (peça circular de madeira, provida de cabo, com a qual se castigava alguém batendo-lhe com ela na palma da mão; férula.), se reincidente, será até seis dúzias”. Nas cidades os senhores podiam recorrer ao poder público para castigar os escravos desobedientes ou que não cumpriam suas obrigações. Durante a colônia o castigo era aplicado publicamente no pelourinho meados do século XIX, quando a escravidão passou a ser condenada abertamente por alguns setores da sociedade, o castigo veio a ser aplicado em locais fechados e que não despertassem a atenção das pessoas. Para punir os cativos desobedientes ou que fugiam, os senhores pagavam uma taxa à polícia para executar o castigo no interior das cadeias públicas geralmente açoites e palmatoadas.

Solidariedades no mundo do trabalho

Os cantos chegavam a reunir dezenas de escravos da mesma etnia ou nação. Com o tempo, o exclusivismo étnico dos cantos foi diminuindo e várias etnias africanas, além de negros e mestiços brasileiros, passaram a trabalhar lado a lado. Enquanto guardavam a clientela para realizar algum serviço, os ganhadores, sentados em tamboretes ou na calçada, trançavam pequenos cestos, esteiras e chapéus, faziam gaiolas e pulseiras. Por vezes os barbeiros ambulantes vinham fazer-lhes a barba, as negras lhes vendiam mingau de milho e de tapioca.
Em Salvador existiam as “juntas”, que eram associações criadas com o fim de formar uma poupança em dinheiro para em préstimo aos que se encontrava em dificuldade financeira ou precisassem comprar carta de alforria (liberdade concedida a escravo).
Muitos africanos utilizaram essas associações para retornar à África. No século XIX os negros de ganho que trabalhavam na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, inclusive carregadores de café. As fontes públicas que abasteciam as casas nas grandes e pequenas cidades eram locais de encontro de escravos domésticos, lavadeiras, aguadeiros e ganhadores. Carregadores e estivadores formavam grupos de trabalho que se reuniam nas áreas portuárias.
Para sobreviver sob o cativeiro, os escravos e escravas buscaram acionar relações sociais aprendidas na África e as aqui inventadas. Os vínculos formados a partir do trabalho, da família, dos grupos de convívio e da religião foram fundamentais para a sobrevivência e para a recriação de valores e referências culturais.

Capítulo IV

FAMÍLIA, TERREIROS E IRMANDADES

Da família à comunidade

O escravo recém-vindo da África era submetido a um treinamento conduzido por senhores e feitores. Estes ensinavam os rudimentos da língua portuguesa, Na cartilha senhorial, antes de tudo, era preciso definir e deixar claro quem mandava e quem obedeciam que o cativo compreendesse os rudimentos da religião católica, sobretudo aprendesse a rezar. O africano recém-chegado, aqui chamado de boçal (estúpido; ignorante).
Havia ainda divisões entre africanos e crioulos e entre estes e os pardos ou mulatos. Em geral, formadas em torno de línguas comuns ou assemelhadas, essas identidades foram em grande parte construídas no Brasil. E eram muitas: angola, congo, monjolo, cabinda, quiloa, mina, jeje, nagô, haussá etc. Cada grupo era uma “nação”. Na Bahia, parente era a palavra utilizada pelos africanos para definir os que pertenciam à mesma etnia. O nagô se dizia parente de outro nagô, jeje de jeje, angola de angola e assim por diante.
Os africanos utilizavam também o termo patrício para identificarem outros africanos vindos da mesma região da África. Esses patrícios costumavam se ajudar mutuamente formando extensas redes de solidariedade.

A família escrava

A tendência do tráfico de importar mais homens do que mulheres dificultaram a formação de casais. Houve senhores que preferiam garantir alguma estabilidade familiar aos seus cativos. O primeiro recenseamento oficial da população brasileira, que data de 1872, mostrou que somente 10% dos escravos brasileiros eram oficialmente casados.
A maioria das famílias escravas formou-se à margem do consentimento da Igreja. Os homens e mulheres livres pobres não se casavam, se juntavam.
A escolha dos parceiros pelos senhores seguia o modelo patriarcal português, em que os pais escolhiam o cônjuge dos filhos e dependentes. No século XIX, nos engenhos baianos, havia uma tendência entre os escravos ao casamento endogâmico, ou seja, dentro do próprio grupo étnico nagô casava com nagô, angola com angola e assim por diante. Essa endogamia não era absoluta e os africanos e africanas também casavam-se com indivíduos de regiões diversas da África e com os nascidos no Brasil. Ao ser batizado na igreja, o escravo passava a ter um padrinho e uma madrinha que assumiam responsabilidades quase idênticas às dos pais.
Escravos e escravas freqüentemente escolhiam pessoas livres e libertas para apadrinharem seus filhos. Os senhores, porém, raramente apadrinhavam seus próprios escravos. O senhor em geral só virava padrinho de seu escravo quando disposto a alforriá-lo. Eles freqüentemente tomavam para padrinhos e madrinhas de seus filhos escravos de propriedades vizinhas. Ao se juntar no mesmo culto os escravos, libertos e livres, a família-de-santo terminou criando redes sociais que não eram regidas pelas divisões e hierarquias vigentes no mundo da escravidão.
As casas de culto eram regidas por outras normas e noções de obediência e disciplina, de proteção e assistência, de gratificações e sanções, de tensões e conflitos. Em 15 de setembro de 1869, o congresso aprovou lei proibindo que, nas vendas de escravos, fossem separados dos pais os filhos menores de quinze anos. Em 1871, a Lei do Ventre Livre buscou garantir a “integridade da família” cativa estabelecendo que os filhos menores de oito anos acompanhassem as mães que fossem libertas.

Terreiros e irmandades

Até o século XVIII o termo mais comum para nomear as práticas religiosas de origem africana parece ter sido calundu, uma expressão angolana que vem da palavra kilundu, que significa divindade em língua umbundo. A mais antiga referência escrita ao termo candomblé é do início do século XIX, na Bahia termo oriundo da região de Angola, que significa culto ou oração. Antes de 1850, as tradições religiosas africanas mais importantes do sudeste brasileiro, especialmente do Rio de Janeiro e de São Paulo, eram originárias, sobretudo da atual Angola. Na religião angolana o culto dos ancestrais era fundamental, mas também importante era a devoção a entidades espirituais chamadas inquices que influenciou fortemente o culto de origem africana na Bahia e no Maranhão. Os povos no antigo reino do Daomé (atual República do Benim), conhecidos como jejes na Bahia e minas no Maranhão, cultuavam deuses a que chamavam de voduns. Já os povos de língua iorubá, conhecidos como nagôs na Bahia, cultuavam os orixás. O candomblé jeje-nagô disseminou-se nas cidades e nas áreas rurais do Nordeste, sobretudo na Bahia. Mas ele se encontra também presente em outras regiões de norte a sul do país. Deuses cultuados separadamente em regiões distintas da África – Oxossi, do reino de Ketu, Xangô de Oió, Oxum de Oxogbô e assim por diante. Por isso que se diz que a religiosidade africana foi reinventada no Brasil. A maioria dos escravos recorria aos curandeiros ou curandeiras negras para se tratar de alguma enfermidade. Não era difícil encontrar em alguma esquina ou praça um curandeiro negro em atividade. Além de extraírem dentes e rescreverem receitas para várias enfermidades, esses curandeiros davam conselhos e vendiam amuletos que protegiam o corpo da doença e da inveja. Para o Brasil vieram também africanos iniciados no o islamismo Os muçulmanos constituíam uma proporção pequena da população no Rio de Janeiro, mas eram numerosos na cidade de Salvador e na região açucareira do Recôncavo baiano. Práticas muçulmanas foram identificadas também em Pernambuco, Alagoas, São Paulo e Rio Grande do Sul. Entre os povos africanos islamizados eram os fulanis, haussás, bornos e nupes. Também entre os iorubás havia um grande número de muçulmanos. Ao longo do século XIX, foi o grupo religioso mais perseguido pelas forças policiais.
Muitos africanos já chegavam ao Brasil como católicos devido à pregação de missionários que se instalaram na África desde a segunda metade do século XV. Vinham, sobretudo das regiões do Congo e Angola. Quando não eram batizados na África, antes de embarcarem nos navios negreiros, os escravos eram batizados em grandes grupos logo que desciam em algum porto do Brasil. Em algumas propriedades rurais os senhores contratavam padres ou leigos para iniciarem os novos africanos na doutrina cristã. A adesão dos africanos era apenas superficial, no máximo decoravam algumas orações para se verem livres da cantilena (cantiga suave, ou monótona.) dos padres. O culto a determinados santos e santas tinha íntima relação com concepções religiosas existentes na África. Isto explica a popularidade de Santo Antônio conhecido especialmente por sua capacidade de curar doenças, encontrar objetos perdidos e promover casamentos muito se assemelha as concepções religiosas de povos da África Central. O escravo africano ou crioulo dotou a religião dos portugueses de ingredientes de tradições religiosas africanas, especialmente música e dança. Era um catolicismo cheio de festas, de muita comida e bebida, de intimidades com santos, tal qual a relação dos africanos com seus orixás, voduns e outras divindades. Para homenagear santos de sua devoção os negros organizavam grandes festas nas suas irmandades. Daí porque muitos escravos africanos se aproximaram do catolicismo sem que fossem forçados pelos senhores.
As irmandades negras apareceram no Brasil em fins do século XVII. A estrutura hierárquica dessas irmandades negras era semelhante à das brancas compunha-se de juízes e juízas, de um procurador encarregado de inquirir sobre a moral dos associados, um tesoureiro e um secretário. No Rio de Janeiro, a irmandade de São Benedito dos Homens Pretos reunia negros angolas e crioulos. Em muitas irmandades a diretoria escolhia o “rei” e a “rainha” do ano, que eram coroados no dia em que se celebrava o santo patrono. Os escravos não podiam fazer parte das mesas diretoras, ao contrário de Minas Gerais. Os santos mais populares eram Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Ifigênia. O Rosário era em todo o Brasil a devoção favorita dos angolanos. As novenas e procissões aconteciam em meio a muita dança, batuques, fogos de artifício, comida e bebida. Algumas confrarias negras eram tão prósperas que chegaram a ter igreja própria no centro das grandes cidades. Este o caso das irmandades do Santo Elesbão, Rosário, Santa Ifigênia e São Benedito dos Homens Pretos, no Rio de Janeiro, do Rosário de Vila Rica, em Minas Gerais, e Rosário das Portas do Carmo, em Salvador.

Além do culto católico, o objetivo principal da irmandade era promover a ajuda mútua e socorrer os irmãos em dificuldades, principalmente os escravos e escravas incapacitados e abandonados pelos senhores garantirem um funeral decente e enterro em local consagrado para si e para seus familiares. Algumas irmandades negras emprestavam dinheiro para a compra da alforria de irmãs e irmãos escravos. As festas promovidas pelas irmandades negras eram cercadas de preocupações das autoridades policiais devido à grande concentração de cativos e libertos em volta das igrejas com seus folguedos (Folga, descanso, festa, divertimento) e danças. Em 1856, a polícia da cidade de Recife dispersou o maracatu dos “pretinhos do Rosário” (irmandade) sob o pretexto de evitar desordens. Muitos setores das elites toleravam os batuques religiosos e profanos, apesar de ilegal, por conveniência política, acreditando que assim fazendo os negros não se rebelariam. Africanos e afro-brasileiros não tinham liberdade para cultuar seus santos e deuses, mas muitas vezes tinham permissão para fazê-lo. E permissão não é liberdade.
A Constituição do país, promulgada em 1824, definiu o catolicismo como religião oficial do Império, Mas as religiões afro-brasileiras não estavam incluídas nessa tolerância legal porque não eram considerada religião e sim superstição, curandeirismo, feitiçaria. As festas das irmandades negras e os batuques foram severamente reprimidos. A maioria das câmaras municipais aprovou leis proibindo “batuques, danças e tocatas de pretos”. Depois da independência, as autoridades passaram a proibir danças e procissões organizadas pelas irmandades, como os do Rosário do Campo de Santana, no Rio de Janeiro, justificavam essas proibições afirmando que as festas causavam bebedeiras e incomodavam a vizinhança. Para fugir à repressão, africanos e crioulos buscavam praticar suas religiões em locais afastados dos centros urbanos. Havia muitas casas de culto que funcionavam discretamente nos centros das cidades. Para sobreviver em tempos de repressão, as religiões afro-brasileiras buscaram alianças com pessoas mais privilegiadas.

Capítulo V

FUGAS, QUILOMBOS E REVOLTAS ESCRAVAS.

Quilombos

Senhores e governantes foram regularmente surpreendidos com a resistência escrava. Tal resistência assumiu diversas formas. Os cativos fugiam por vários motivos: Castigo, trabalho excessivo, pouco tempo para o lazer, desagregação familiar, impossibilidade de ter a própria roça e desejo de liberdade. Ao fugir o escravo comprometia a produção e colocava em xeque a autoridade do senhor. Mas o escravo que fugia nem sempre retornava ao cativeiro. Ver-se livre, isento do controle e da subordinação a qualquer senhor foi o principal objetivo de muitos homens e mulheres que, sozinhos ou em grupo, resolviam escapar da escravidão. Era preciso alguém que pudesse facilitar a fuga, fornecer abrigo, alimentação e trabalho para não levantar suspeita. Os escravos podiam buscar refúgio em fazendas, povoados e cidades, onde podiam misturar-se aos negros livres e libertos, mas também recorriam aos quilombos (refúgio de escravos fugidos).
Esses agrupamentos também eram chamados de mocambos ( habitação miserável). Um grande número de quilombos reunia não só escravos em fuga, mas também negros libertos, indígenas e brancos com problemas com a justiça.

Palmares

Palmares foi o mais duradouro e o maior quilombo da história do Brasil, localizado na capitania de Pernambuco, em território que hoje pertence ao Estado de Alagoas. Zumbi (Líder do quilombo dos Palmares; fantasma que vaga pela noite, segundo lenda afro-brasileira) foi feito símbolo de liderança negra no Brasil em detrimento de Ganga Zumba, outro rei de Palmares que também enfrentou o poder colonial. Palmares no século XVII ocupava a Serra da Barriga. Essa região se estendia do rio São Francisco, em Alagoas, até as vizinhanças do cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Tratava-se de um terreno acidentado e de difícil acesso, coberto de espessa mata tropical que incluía a pindoba, um tipo de palmeira, daí o nome Palmares. Com isso dificultava o deslocamento dos caçadores de escravos fugidos, chamados capitães-do-mato ou capitães-de-assalto.
O solo era fértil e úmido, próprio para o plantio de milho, mandioca, feijão, batata-doce e banana. A cana-de-açúcar também era ali cultivada para o fabrico de rapadura e aguardente. A luta dos quilombolas “parecia” infalível. A primeira ofensiva de Carrilho contra Palmares ocorreu em 1677 que a ele se juntaram mais 185 homens brancos e índios, que sitiaram o grande mocambo(habitação miserável) do Amaro. Existiam ali aproximadamente mil casas e entre os moradores estava o rei Ganga-Zumba. Carrilho aprisionou dois filhos do rei, Zambi e Acaiene, chefes de mocambos e dezenas de outros negros, que foram distribuídos entre os cabos da tropa. Entretanto, o quilombo ainda não estava vencido, pois o rei havia escapado ao cerco. Desanimados com vitórias sempre parciais e com o custo das expedições, as autoridades coloniais resolveram propor uma trégua aos quilombolas de Palmares.
Ao receber a proposta de suspensão da guerra, o rei Ganga Zumba enviou uma embaixada a Recife, acompanhada de um alferes que tinha sido mandado pelas autoridades coloniais para propor a paz. A proposta do governo previa a concessão de uma área para que os palmarinos pudessem viver em liberdade, plantando e negociando com os brancos. Em troca tinham que se desfazer de suas armas, armadilhas e deixar de acolher futuros escravos fugidos. Zumbi não viu esse acordo com bons olhos. Assim que ficou ciente da rebeldia de Zumbi, o governo organizou a expedição de Gonçalo Moreira para destruir Palmares. Ganga Zumba foi morto por envenenamento e Zumbi assumiu a liderança dos palmarinos. Palmares ainda resistiria por algum tempo. Domingos Jorge Velho, bandeirante, sua missão era destruir o grande quilombo. Em dezembro de 1692 a expedição de Jorge Velho chegou a Palmares. No início pareceu-lhe fácil destruir os mocambos e aprisionar os rebeldes. Os quilombolas responderam prontamente aos ataques. Cansados e famintos, os paulistas e alagoanos comandados por Jorge Velho tiveram que recuar. Àquela altura a tropa contava com pouco mais de seiscentos índios e quarenta e cinco brancos. Eram necessários reforços. Em janeiro de 1694 cerca de três mil homens recrutados em toda Pernambuco e vilas alagoanas. Dominar os rebeldes acuados foi uma questão de tempo. Descobertos à beira de um penhasco, mais de quatrocentos homens e mulheres foram mortos ou aprisionados logo nas primeiras horas da madrugada. Outros tantos que permaneceram no mocambo também foram assassinatos, mas o rei não estava entre eles. Haviam passado mais de 65 anos de combates e no dia 20 de novembro de 1695 ele foi capturado ao lado de apenas vinte homens, que em pouco tempo foram trucidados. Para o rei quilombola foi reservada a decapitação. Sua cabeça foi espetada em um poste da praça principal do Recife, como exemplo para outros rebeldes, depois de palmares todos estava mais atentos, mais vigilantes.

E o quilombismo continuou

Assim que o ouro foi descoberto em Minas Gerais, no final do século XVII, um grande número de escravos passou a compor a população local. Em 1750 a atividade mineradora estivesse em franca decadência, a mão-de-obra escrava era largamente utilizada na agricultura, assim como na produção de açúcar, aguardente e rapadura. A região montanhosa de difícil acesso favoreceu o grande número de quilombos em toda a área mineradora: Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Na região do Alto São Francisco, ali viviam mais de seiscentos cativos que se diziam obedientes apenas ao seu próprio rei e rainha.
Em 1746 o quilombo foi arrasado e seus moradores capturados. Bartolomeu Bueno do Prado foi premiado com grande quantidade de terras. Quilombo era qualquer habitação com cinco ou mais negros fugidos assentados em local despovoado, o que incluía os arredores das fazendas, vilas e cidades. Também era a reunião de mais de quatro escravos que, vindos das matas, promovessem roubos e homicídios, assim como escravos que vivessem fortificados.
Vila Rica, atual Ouro Preto, capital da capitania de Minas Gerais, era cercada por esses pequenos quilombos. Entre 1710 e1798, pelo menos 160 quilombos foram identificados em Minas Gerais. Os mocambos também podiam ser lugares onde visitar velhos conhecidos ou parentes, se divertir, descansar, cantar, dançar e retornar à senzala na manhã seguinte ou depois de alguns dias. Organizados e refugiados nas montanhas, os quilombolas exploravam minas, cultivavam alimentos, mas também podiam ameaçar viajantes, controlar a entrada e saída de pessoas e mercadorias nas vilas e roubar comboios transportando ouro.
Em Goiás além de servir para a compra de cartas de alforria, o ouro era trocado com comerciantes por armas, munição, cachaça e tecidos. Taberneiros, mascates e negros de ganho tinham boas relações com calhambolas — como também eram chamados os negros fugidos O governo proibiu, em 1764, que na região mineradora as negras de tabuleiro forras e escravas pudessem negociar em áreas onde fosse fácil o extravio de ouro. No sul da Bahia, em Barra do Rio de Contas, atual Itacaré, foi descoberto, no começo do século XIX, o quilombo do Oitizeiro, onde conviviam escravos e gente livre. Tratava-se de um quilombo agrícola, protegido por grande manguezal, cuja principal atividade era a produção de farinha de mandioca. Os quilombolas trabalhavam nas roças de mandioca lado a lado com pessoas livres e libertas, seus coiteiros (aquele asilo a bandidos.) era quem induzia escravos a fuga, os abrigava e fazia negócios com eles ou os tinha em seu serviço. Aquilombar-se no sítio de um homem livre podia ser a oportunidade para ganhar algum dinheiro com a venda da farinha de mandioca. As relações entre quilombolas e grupos indígenas oscilavam entre o conflito e a cooperação. Era, inclusive, muito comum que os índios fizessem parte das expedições de caça a negros fugidos. Os xavantes e caiapós de Goiás destruíram mais quilombos do que as expedições dos bandeirantes. Alguns grupos, como os Cariris, formavam batalhões regulares, com comandante, fardamento e armas, destinados a capturar quilombolas. Em Mato Grosso, o quilombo do rio Manso, por volta de 1865, contava com duzentos e sessenta homens maiores de 16 anos e apenas vinte mulheres e treze crianças Nem sempre os índios estiveram ao lado dos perseguidores dos quilombolas, muitas vezes estavam entre os moradores dos mocambos. Mesmo em Palmares havia tanto índio quilombola quanto entre as forças de assalto. A longevidade desses quilombos mistos de índios e negros possibilitou a um grupo de quilombolas capturado em Curuá, no baixo Amazonas, alegar que nunca havia tido senhor por terem “nascidos nas matas”. Ao contrário de seus pais, eles nunca haviam conhecido os dissabores da escravidão. Em Pelotas, onde havia uma grande concentração de escravos nas charqueadas, as fazendas de produção de charque. O quilombola Manoel Padeiro, com o título de general, chefiou, em abril de 1835, cerca de doze a quinze fugitivos africanos e crioulos em vários assaltos a chácaras na serra dos Tapes. Só a partir de 1995, quando ocorreu o primeiro encontro dessas comunidades, o governo brasileiro passou a identificá-las e iniciar a legalização da posse das terras ocupadas pelos descendentes dos quilombolas.
A ameaça rebelde na Bahia se repetiu em 1814, 1816, 1822, 1826, 1827, 1828, 1830 e 1835, período em que aconteceu cerca de trinta revoltas, a maioria delas promovida por escravos haussás e nagôs, estes últimos africanos iorubás. Mais de quinhentas pessoas foram indiciadas e punidas com açoites, prisões, deportações, sendo quatro executadas por fuzilamento em praça pública. A revolta dos malês trouxe apreensão em todo o país.
Em Minas Gerais, desde 1833 as autoridades e senhores estavam mais vigilantes em relação a rebeldia escrava. Eles estavam convencidos da necessidade de maior aparato policial e de leis que inibissem as repetidas e ousadas ações rebeldes. Uma dessas ações, foi a revolta de Carrancas, em entre 1833 e 1835, dos seus 4.053 habitantes, 61,5% eram escravos. O objetivo dos rebeldes era matar todos os brancos da freguesia de Carrancas e tomar posse de suas propriedades. Entre os envolvidos, dezessete foram condenados à pena de morte por enforcamento. A lei de 10 de junho de 1835 foi idealizada. A lei determinava que caberia a forca ao escravo que atentasse contra a vida do seu senhor, seus familiares e feitores.
Entre instabilidade política e revoltas escravas ficou clara no Maranhão, com a exaltação dos escravos em meio à revolta conhecida como Balaiada (1838-1841). Em 1839, mais de dois mil negros liderados pelo liberto Cosme Bento das Chagas se estabeleceram numa fazenda às margens do rio Preto, cujo dono foi obrigado a conceder cartas de alforria aos seus duzentos escravos antes de ser morto. Em 1840, de novo Luís Alves de Lima e Silva foi enviado para a região com a missão de pôr fim àquela situação. Após o declínio do tráfico e sua extinção em 1850, as revoltas foram rareando e prevaleceu um percurso mais calmo na resistência escrava.

Capítulo VI

NEGROS ESCRAVOS, LIBERTOS E LIVRES

De escravo a liberto

Carta de alforria ou carta de liberdade escrita pelo senhor ou algum representante seu. O indivíduo que deixava de ser escravo passava a ser chamado liberto ou forro se tratava de transferência de propriedade, o ato devia ser lavrado por um tabelião em cartório, assinado pelo senhor e por testemunhas juramentadas e registrado em livro especialmente destinado a este fim.
Depois de registrada, a carta original era devolvida ao liberto, que a usaria como prova de sua condição de liberdade. No auge da escravidão, ser negro era sinal de ser escravo, até prova em contrário. Com a carta de liberdade, por lei, o forro tinha direito à família, à propriedade e à herança. Em 1835. Uma lei proibiu que os africanos tivessem bens de raiz, ou seja, propriedade imobiliária como terra e casa. As alforrias tinham também validade legal quando registradas nos testamentos abertos após a morte dos senhores. A promessa de liberdade era uma forma de obter dos escravos obediência e dedicação nos serviços prestados aos senhores. A decisão do senhor morto podia ser contestada pelos herdeiros e nesse caso o escravo era obrigado a esperar anos pela decisão judicial, era raro o senhor que libertava mais de dez escravos em testamento.
As alforrias podiam ser de dois tipos: gratuitas e onerosas ou pagas. As alforrias gratuitas eram concedidas geralmente em retribuição aos “bons serviços” prestados ao senhor, à fidelidade, lealdade e outras qualidades valorizadas pela sociedade escravista. Na verdade, não eram tão gratuitas assim, pois a maioria exigia a prestação de serviços do escravo durante anos e até décadas. Enquanto permaneciam nessa condição de “quase liberto” podiam ser castigados e obrigados a morar na casa dos senhores como qualquer escravo.
Na segunda metade do século XIX, os senhores buscaram exibir sua generosidade concedendo alforrias em homenagem a alguma personalidade ou por ocasião de alguma celebração religiosa. Outros celebravam seus próprios feitos, apesar da data coincidir com a de festas religiosas. Estima-se que entre 65 e 75% das alforrias eram feitas a título oneroso ou tinham cláusulas restritivas.
As alforrias onerosas exigiam que o escravo pagasse ao senhor por sua liberdade em forma de dinheiro, mercadoria ou alguma combinação dos dois. Este tipo de alforria interessava mais ao senhor, pois representava uma indenização para compensar a perda do escravo.
Havia casos de escravos que compravam um outro escravo e davam ao senhor como forma de pagamento. O cativo tinha de ganhar esse dinheiro trabalhando, obtê-lo por empréstimo, herança e doação. Essas práticas beneficiavam mais o escravo urbano, o doméstico e o mineiro. Os senhores viam a alforria como ato de caridade ou generosidade, digna de reconhecimento e gratidão por parte do beneficiado. Nas cidades, a poupança ou pecúlio, como se dizia na época era feito de diversas formas. O escravo podia acumular durante anos pequenas quantias que ganhavam em serviços extras. Havia escravos que recorriam à caridade pública para comprarem a própria alforria ou as de parentes.
Em 1861, na cidade de Porto Alegre, as pardas Joaquina e Zeferina requisitaram e obtiveram da polícia autorização para “tirar esmola para sua liberdade”, e foi com o dinheiro arrecadado que conseguiram comprar suas alforrias. Nos momentos de importação de grande número de africanos, quando não havia carência de mão de obra, os preços das alforrias desciam a níveis mais acessíveis. Os senhores costumavam prometer liberdade gratuita aos que descobrissem algum filão de ouro ou diamante de grande valor. Era possível ocultar algum achado valioso e utilizá-lo na compra da liberdade. Para a maioria, a alforria era fruto desse persistente trabalho de coleta dos pequenos fragmentos encontrados no meio do cascalho já garimpado por outros mineiros. Por vezes, as alforrias resultavam dos esforços de cônjuges, pais, mães, avós, padrinhos e madrinhas pela liberdade dos parentes presos nas malhas da escravidão. Algumas irmandades religiosas de negros e pardos realizavam coletas ou pediam esmolas nas ruas para a compra de alforria de associados ou parentes destes. Todos os estudos sobre alforrias têm revelado que crioulos e pardos eram alforriados em maior número do que os africanos. Em Parati, na capitania do Rio de Janeiro. Entre 1789 e 1822, 66% dos alforriados eram mulheres. Vários motivos para essa predominância feminina entre os alforriados. Os laços íntimos que se formavam entre escravas, seus senhores e suas senhoras muitas escravas atuavam no pequeno comércio vendendo gêneros de primeira necessidade. Muitas delas acumularam dinheiro no comércio de verduras, frutas, peixes, carnes e doces nas ruas. Com isso tinham acesso a recursos que utilizavam na compra da alforria. Escravas, mais idosas, custavam menos que os homens. A alforria funcionava como um meio de impor a obediência e a lealdade. Ser “ingrato” ou “desobediente” eram motivos fortes para o cancelamento da alforria, uma vez concedida.
Em 1822, quando, na esperança de se tornarem livres, muitos escravos se alistaram nos batalhões brasileiros para lutarem contra as tropas portuguesas estacionadas no Rio de Janeiro e em Salvador. Libertação para muitos escravos durante a Guerra do Paraguai (1864-1870). Indivíduos de posses chegaram a oferecer gratuitamente seus escravos para o governo imperial como forma de se livrarem do recrutamento militar.. Ao se apresentarem aos recrutadores, eles inventavam novos nomes e se diziam livres. Finalizada a guerra, o governo os considerou homens livres, pois seria no mínimo imoral devolver ao serviço de senhores quem tinha servido tão bem à pátria. Em Salvador, entre 1684 e 1745, apenas 1% da população escrava alcançava a alforria anualmente.

Limites da liberdade

Nem sempre a alforria implicava melhoria das condições de vida para o recém-liberto. Havia aqueles, poucos é verdade, que foram libertos por interesse dos senhores em se desfazerem de indivíduos idosos e sem mais condições de produzir. Inválidos eram entregues à Santa Casa, onde passavam o resto da vida num hospital ou nos asilos de mendigos. Outros iam engrossar as fileiras de indigentes (mendigo) que esmolavam em grande número nas cidades brasileiras. Os libertos consideravam sua nova condição como muito melhor do que a vivida sob a escravidão. Na condição de libertos, os filhos que nascessem já seriam livres. Emancipados da escravidão, era agora possível ampliar os recursos para batalhar pela alforria de parentes e parceiros de senzala. Alguns chegaram a acumular propriedades. Porém, o aumento dos preços dos escravos a partir da década de 1830, e principalmente depois de 1850, com a proibição do tráfico, impossibilitou a maioria de dispor de tal propriedade. Muitos africanos retornaram à África após alcançarem a liberdade, embora a maioria aqui ficasse. Na África, pouquíssimos conseguiram retornar à “terra natal”, muitos fixaram residência na costa, principalmente em Uidá, Porto Novo e Lagos. Na atual República do Benin, eles são também conhecidos como agudas provavelmente derivado de Ajudá, que é como os portugueses chamavam a cidade de Uidá. do Brasil, eles conservaram a língua portuguesa, o culto a santos católicos e alguns folguedos populares. A língua, as gerações mais novas já esqueceram, embora mantenham os sobrenomes.
Os santos católicos permanecem como Nosso Senhor do Bonfim, que é anualmente celebrado com muita festa. A sociedade escravocrata não admitia que pessoas forras se igualassem aos brancos ricos no luxo e na forma de se vestir. Em 1708, uma lei chegou a proibir negros cativos e libertos de vestirem tecidos de seda. Após a Independência, a Constituição do Império do Brasil, promulgada em 1824, incluía entre os “cidadãos brasileiros” apenas os libertos nascidos no país. Isso significava que os libertos africanos continuariam estrangeiros. Pela Constituição, eles não podiam ser eleitos para cargos políticos, como deputados, senadores e membros das assembléias de província. Podiam votar se tivessem a renda estipulada, mas não podiam se eleger.
Nascido no Brasil ou na África, o liberto não tinha direito ao porte de armas e havia muitas restrições à sua circulação de uma cidade a outra. Para viajar, os forros precisavam provar sua condição, sob pena de serem confundidos com escravos fugidos e o risco de serem reescravizados. Os libertos buscavam distanciar-se da antiga condição escrava. Muitas vezes, isso era feito através da especialização profissional, principalmente aprendendo profissões mais valorizadas no espaço urbano – pedreiros, alfaiates, carpinteiros, barbeiros e músicos.


Negros livres e libertos no campo e nas cidades

Os filhos e filhas dos libertos eram considerados livres. Um censo de 1808 detectou na cidade do Salvador e mais treze localidades rurais do Recôncavo, 104.285 negros e mulatos livres e alforriados. Eles representavam 41,8 % da população. Na segunda metade do século XIX, a população livre e liberta negra superou o número de escravos, e isso era um sinal do declínio da escravidão. O censo de 1872 mostrou que existiam, em todo Império, 4.200.000 negros e mestiços livres e 1.500.000 escravos. A maior parte da população negra livre vivia nas áreas rurais. Muitos ocupavam pequenas parcelas de terras doadas ou arrendadas pelos antigos senhores, chamados de agregados (lavrador estabelecido em terra alheia). Outros integravam as várias categorias de lavradores, como meeiros (O que planta em terreno alheio, e com cujo proprietário reparte o resultado das plantações) e pequenos proprietários rurais. Muitos se tornavam pequenos sitiantes, ocupando áreas de fronteira, visto que o acesso à terra era mais complicado nas regiões de grande lavoura de exportação. Nas cidades, esses trabalhadores negros livres e libertos exerciam profissões importantes Eram os artesãos qualificados, mestres-de-obras, alfaiates, barbeiros, carpinteiros, marceneiros, tanoeiros, joalheiros, oleiros, barqueiros, ferreiros. Em Minas Gerais, negros e mestiços forros e livres se destacaram como pintores, entalhadores e douradores que trabalhavam na ornamentação das igrejas. Alguns a exemplo do ex-escravo Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, ficaram famosos esculpindo imagens de santos, santas e anjos. Outros se tornaram músicos, compondo e executando músicas sacras ou fazendo parte de bandas que tocavam em diversos eventos nas cidades e vilas do interior. Músicos negros e mulatos fizeram fama nas Minas Gerais. As mulheres forras e livres se ocupavam no pequeno comércio ambulante ou exerciam ofícios de costureiras, bordadeiras e as diversas profissões do mundo doméstico. Muitas dessas mulheres dominavam o comércio de peixe e carne nas ruas, trabalhando nos mercados municipais com quitandas e tabuleiros. Outras se tornaram famosas exercendo o ofício de parteiras e enfermeiras.

Livres e libertos nos movimentos sociais

Pobres e libertos, fossem negros ou mestiços, se engajaram nas lutas pela independência em várias partes do Brasil. Esperavam que o fim do domínio português pudesse lhes trazer melhores condições de vida e ampliar direitos como cidadãos livres. Na Bahia, libertos e escravos pegaram juntos em armas contra as tropas portuguesas que ocuparam a cidade do Salvador em 1822-23. Alguns batalhões eram formados por maioria negra e mestiça. Após a independência, negros livres e libertos saíram às ruas para reivindicar maior participação política em várias províncias do novo país. Na chamada Confederação do Equador, revolta ocorrida em Pernambuco, em 1824, contra a política centralizadora de Pedro I, negros integraram as “brigadas populares”. No Pará, a chamada “Revolta dos Cabanos” ou Cabanagem (1833-1840) mobilizou milhares de pessoas, a maioria índios, negros e caboclos.

Nos movimentos de rua que ocorreram naquele período, diversos observadores notaram a insatisfação que reinava entre os negros e mestiços livres e libertos, e os brancos pobres, nas grandes cidades. Abolir a escravidão não interessava às elites brasileiras, visto que ainda dependiam do investimento em escravos. Foi com a idéia de civilização que as elites buscaram justificar as leis contra batuque, capoeira, samba, religiões africanas e várias outras manifestações culturais que tinham ligação com a África. As elites brasileiras proibiram os sepultamentos nas igrejas e determinaram a construção de cemitérios em várias cidades.
Ao longo de todo o século XIX, barreiras raciais definiram limites à ascensão social do ex-escravo e seus descendentes. A cor da pele era um elemento poderoso de classificação social dos indivíduos, apesar de não haver discriminação legal como ocorria nos Estados Unidos. Para o branco pobre e até o mestiço, apadrinhamento e acesso a financiamento podiam abrir as portas para o ingresso nas camadas mais altas e em cargos públicos. Mas as barreiras se erguiam para os que tinham pele mais escura, sobretudo os crioulos e africanos, estes últimos genericamente chamados de pretos. Quanto mais escura a pele, mais limites e discriminações. Os negros ingressavam nas forças armadas ou na Guarda Nacional, mas jamais alcançavam as patentes mais altas.
Ao longo do século XIX e faziam parte dos argumentos dos que se opunham ao projeto elitista de segregar (afastar-se, isolar-se) os homens “de cor”. Nas cidades brasileiras oitocentistas havia negros libertos que, mesmo não fazendo parte da elite econômica, possuíam situação financeira estável. Mulatos conseguiram ser médicos, advogados, professores, engenheiros, padres, periodistas, escritores.
Alguns ocuparam cargos públicos no legislativo e no executivo. Citaremos alguns negros que ascenderam socialmente. Antônio Pereira Rebouças, mulato, filho de uma liberta e de um alfaiate português, nasceu na Bahia em 1798, foi advogado e um dos maiores especialistas em direito civil no Brasil monárquico.
Francisco de Paula Brito nasceu no Rio de Janeiro em 1809. Filho de carpinteiro, nunca freqüentou escola, mas tornou-se poeta, tradutor, jornalista, editor e livreiro. Em 1833, publicou O Homem de cor, considerado um dos primeiros jornais brasileiros a discutir o preconceito racial.
Teodoro Sampaio nasceu no engenho Canabrava, Recôncavo baiano, em 1855, filho de um padre e uma escrava chamada Domingas da Paixão. Formou-se em engenharia.
João da Cruz e Souza, nascido em 1862, na cidade de Desterro, atual Florianópolis, filho de escravos, foi o nosso maior poeta simbolista.
Joaquim Maria Machado de Assis, filho de um português e uma mulher negra, neto de escravos alforriados, nascido num subúrbio do Rio de Janeiro, em 1839, é considerado o nosso maior escritor.

Capítulo VII

O fim da escravidão e a pós-abolição

Na Inglaterra, a primeira reação contra a escravidão ocorreu na segunda metade do século XVIII, partindo de uma seita protestante radical, os Quakers. Eles consideravam a escravidão um pecado e não admitiam que um cristão pudesse tirar proveito dela. Em 1768, enviaram ao parlamento uma solicitação pedindo o fim do tráfico de escravos. Pouco depois, John Wesley, o fundador do movimento metodista (revitalização religiosa dentro da igreja anglicana, no séc. XVIII, liderado pelo pregador inglês John Wesley (1703–1791), e que acabou por se transformar numa nova igreja), pregou contra a escravidão afirmando que preferia ver as colônias inglesas do Caribe naufragarem do que manter um sistema que “violava a justiça, a misericórdia, a verdade”. Em 1787, um grupo militante chamado Os Santos (The Saints), liderado por William Wilberforce, organizou a Sociedade Antiescravista (Anti-slavery Society). Graças às pressões dessa sociedade, contra os interesses escravistas das cidades de Liverpool e Bristol, foram abolidos o tráfico em 1807 e a escravidão em 1834. Com este último ato foram libertos 776 mil escravos, mantidos, porém sob um regime de “aprendizado”. Sob pressão dos libertos o aprendizado foi abolido em 1838 e a liberdade definitiva conquistada.
Em 1808, foi abolido o tráfico transatlântico para as colônias inglesas do Caribe e, em 1834, foi
abolida a escravidão nessas mesmas colônias. As elites brasileiras temiam que seus escravos fizessem o mesmo. Depois da proibição do tráfico, em 1850, que o debate sobre a abolição da escravidão se intensificou no Brasil. Acreditavam que com os altos índices de mortalidade da população escrava, e sem possibilidade de renová-la por meio do tráfico, a escravidão desapareceria em algumas décadas. A partir de então, a elite política e as organizações de agricultores passaram a projetar e a colocar em prática a substituição de mão-de-obra escrava por colonos europeus ou asiáticos. Buscou-se também transformar os escravos em trabalhadores livres. Com a proibição do tráfico aumentaram os preços dos escravos e cada vez menos pessoas podiam comprá-los. Nas regiões cafeeiras do Sudeste, especialmente nas províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a escravidão ganhou força com o crescimento das exportações de café. Era de interesse dos fazendeiros de café que a escravidão se prolongasse o máximo de tempo possível. Em 1867, Nabuco de Araújo, pai do futuro abolicionista Joaquim Nabuco, afirmou que a abolição imediata “precipitaria o Brasil em um abismo profundo e infinito”. Os donos de escravos e seus representantes no parlamento argumentavam que os cativos não estavam preparados para a vida em liberdade, e que fora do cativeiro se tornariam vadios e ociosos. Só admitiam que a abolição fosse feita no longo prazo, com indenização e leis que garantissem que, mesmo depois de abolido o cativeiro, os ex-escravos não abandonariam suas propriedades.
Os escravos tomaram iniciativas que aceleraram o fim da escravidão, como as fugas, a formação de quilombos e a rebeldia cotidiana. As duas últimas décadas que antecederam a abolição foram marcadas pelo aumento das fugas e do número de quilombos em todo o Brasil. Os negros brasileiros não esperaram passivamente pela sua libertação.


Leis emancipacionistas e perspectivas de liberdade

No final da década de 1860, o governo imperial tomou algumas iniciativas para promover a substituição gradual do trabalho escravo. Depois da abolição da escravidão nos Estados Unidos, em 1865, Brasil e Cuba eram os únicos países que ainda mantinham a exploração do trabalho escravo nas Américas. No final da década de 1860, as ocorrências de crimes, fugas e revoltas escravas aumentaram em várias províncias do Brasil, especialmente nas do Sudeste, onde se concentrava o maior número de cativos. Para conservar a imagem D. Pedro II passou a se pronunciar publicamente favorável à erradicação da escravidão no país. Em 1867, o imperador encomendou aos seus conselheiros propostas de extinção do trabalho escravo. Em junho de 1865, determinou que os escravos condenados a trabalhos forçados não poderiam mais ser castigados com chicotes. Em 1869, foi aprovada uma lei que proibia o leilão público de escravos e a separação de marido e esposa nas operações de compra e venda. Determinou-se também que escravos com menos de quinze anos não podiam ser separados de suas mães. A Lei 2040, de 28 de Setembro, de 1871, mais conhecida como Lei do Ventre Livre. Por ela ficavam livres as crianças recém-nascidas das mulheres escravas, obrigando seus senhores a cuidar delas até a idade de oito anos. Além de libertar os “ingênuos” (assim eram chamados os filhos libertos dos escravos) nascidos após sua publicação, a lei criou o fundo de emancipação, que libertava cativos com dinheiro proveniente de impostos sobre a propriedade escrava, loterias, multas para quem desrespeitasse a lei e dotações (renda destinada à manutenção de pessoa ou corporação) dos orçamentos públicos. Criava, também, a matrícula obrigatória dos cativos como forma de melhorar a cobrança de impostos dos proprietários de escravos. O escravo que não fosse matriculado seria considerado livre pelas autoridades sem o desembolso de qualquer quantia. A Lei de 28 de Setembro de 1871 contemplava alguns direitos a lei reconhecia o direito ao pecúlio, ou seja, que o escravo podia utilizar suas economias para comprar a liberdade.
A emancipação dos filhos de mulheres escravas não foi uma invenção dos legisladores brasileiros. A idéia apareceu no século XVIII e posteriormente foi aplicada no Chile, em 1811, na Colômbia, em 1821. No Brasil, as discussões sobre a libertação do ventre existiam desde o início do século XIX e intensificaram-se no final da década de 1860, quando foi apresentado o projeto na Assembléia Geral Legislativa. Os debates foram acirrados e houve muita resistência à idéia. Entre maio e setembro de 1871, várias organizações agrícolas e comerciais do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo enviaram dezenas de petições à Assembléia manifestando-se contrárias à lei. Alguns oponentes da lei chegaram a advertir que a reforma fomentaria (estimularia) uma revolta geral de escravos. Os argumentos dos opositores não foram suficientes para impedir a aprovação da lei.


Escravos e abolicionistas

Alguns núcleos abolicionistas começaram a atuar desde meados da década de 1860. Em 1865, um mestiço baiano de dezoito anos, estudante da Faculdade de Direito do Recife, Antônio de Castro Alves, já celebrava em verso a libertação dos escravos na América do Norte. Pouco depois, ele se consagraria como o “poeta dos escravos” ao denunciar os sofrimentos dos que fizeram a travessia atlântica. Para a juventude estudantil das faculdades de direito e medicina o abolicionismo foi uma forma de rebeldia contra tudo que era considerado herança colonial, sobretudo a escravidão. Além de estudantes, aderiram ao movimento professores, jornalistas, tipógrafos, advogados, literatos, militares, parlamentares, juízes, médicos, artistas, músicos, comerciantes. O movimento abolicionista não se restringiu a uma elite intelectual branca. O professor negro Francisco Álvares dos Santos foi um precursor do abolicionismo na Bahia, inclusive liderando passeatas cívicas em favor da liberdade dos escravos em 1862. O poeta Luiz Gama, nascido em Salvador, em 1830, filho de uma quitandeira africana liberta chamada Luíza Mahin e de um negociante português. Sua mãe teria se envolvido em insurreições escravas na Bahia, fugido para o Rio de Janeiro e em seguida deportada para a África. Do Rio foi vendido para São Paulo, onde viveu como escravo doméstico até os dezessete anos. José do Patrocínio teve participação destacada na imprensa carioca e nas reuniões abolicionistas. Nascido em Campos, no Rio de Janeiro, Patrocínio era filho de um padre fazendeiro, dono de escravos, e de uma mulher negra vendedora de frutas chamada Justina Maria do Espírito Santo. Aos vinte e oito anos já era famoso por seus discursos exaltados, emotivos e teatrais. André Rebouças foi um dos mais admiráveis líderes abolicionistas. Também nasceu na Bahia, filho do conselheiro Antônio Pereira Rebouças, pardo, mudou-se para corte ainda criança. Formou se em engenharia e ensinou botânica, cálculo e geometria na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Luiz Gama, poeta e abolicionista no seu empenho em denunciar o preconceito racial lhe rendeu muita fama. No poema conhecido como Bodarrada ele lamentou por aqueles que não reconheciam a sua negritude:

Se negro sou, ou sou bode,
Pouco importa. O que isto pode?
Bodes há de toda casta,
Pois que a espécie é muito vasta...
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus, e outros nobres,
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios, importantes,
E também alguns tratantes


O termo bode era usado na época para denominar o mestiço filho de negro com branco.

As primeiras associações abolicionistas surgiram entre o final da década de 1860 e o início da década seguinte. Algumas surgiram até antes dos anos 60, como a Sociedade Abolicionista 2 de Julho, criada em 1852 por estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia. No Rio Grande do Sul foi criada em agosto de 1871 com a finalidade de libertar meninas escravas. Em 1880, no Rio de Janeiro, foi fundada a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Eduardo Carigé e Pamphilo da Santa Cruz fundaram a Libertadora Bahiana, a mais atuante organização abolicionista da Bahia. Muitas associações foram criadas por mulheres, e isso mostra que foi marcante a participação feminina no movimento. Em 1888, em Salvador, um grupo de mulheres fundou o Clube Castro Alves com a finalidade de angariar fundos para promover a educação dos ingênuos. As associações promoviam reuniões festivas nas quais eram feitas coletas de dinheiro para a alforria de algum escravo ou escrava. Nesses encontros rolavam muita música executada por filarmônicas, recitais de poesia e discursos exaltados condenando a escravidão. No começo essas reuniões eram pouco concorridas, mas na década de 1880 elas chegaram a reunir milhares de pessoas nas ruas e praças das grandes cidades.
Até a década de 1870, os abolicionistas atuaram principalmente na propaganda antiescravista, escrevendo crônicas e artigos em jornais, discursando no parlamento, nas praças e teatros. Eles atuavam também prestando assistência jurídica a escravos, negociando com os senhores as condições de liberdade, oferecendo proteção aos que aguardavam o desfecho de seus processos na justiça, redigindo petições ou se apresentando como advogados dos cativos em ações movidas contra seus senhores. À medida que o movimento foi crescendo, os abolicionistas se tornaram alvo de ataques pessoais e acusações que tinham como objetivo intimidá-los e desacreditá-los perante a opinião pública. Ao longo da década de 1880, abolicionistas negros e brancos foram vítimas de agressões físicas, alguns foram assassinados. Em muitas cidades, as redações dos jornais abolicionistas seriam invadidas e seus equipamentos quebrados.

Escravos e abolicionismo popular

Em fins da década de 1870, havia certo desencanto com os resultados da Lei do Ventre Livre alguns abolicionistas partiram para ações mais ousadas, estimulando fugas ou dando esconderijo a escravos fugidos, impedindo a venda para outras províncias e criando inúmeras situações para inviabilizar o trabalho cativo nas cidades. Em várias delas os abolicionistas formaram redes de ajuda a escravos fugidos, enviando-os para outras províncias ou os escondendo em locais onde não poderiam ser facilmente localizados pela polícia. Nessa época, as cidades brasileiras foram agitadas pela crescente onda de indignação popular em relação aos castigos corporais e maus-tratos contra escravos. Naquela época, a gente pobre livre das cidades, grande parte dela negra e mestiça, vinha se manifestando contra a venda e o embarque de escravos para outras províncias e enfrentando as forças policiais que perseguiam cativos fugidos Em 26 de janeiro de 1880, a atuação conjunta entre jangadeiros e abolicionistas de Fortaleza, capital do Ceará, foi fundamental para por fim ao tráfico de escravos daquele porto para o sul do país.
Em outubro de 1882, os abolicionistas cearenses desencadearam um movimento de libertação a partir das ruas, bairros, vilas e municípios. O sucesso da iniciativa foi tão grande que, em 1884, praticamente não existia escravidão na província. Por essa época, o Ceará transformou-se num refúgio de escravos fugitivos das províncias vizinhas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba. Por essa época, o Ceará transformou-se num refúgio de escravos fugitivos das províncias vizinhas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba. Em Porto Alegre, adotou-se a mesma estratégia de libertação do Ceará. O movimento espalhou-se pelas cidades de São Leopoldo, São Sebastião e Pelotas.
Em Salvador, membros do Clube Saveirista (organização abolicionista), utilizando-se de grandes cordas, escalavam as paredes dos sobrados do bairro comercial para promover a fuga de escravos que aguardavam a chegada de embarcações para serem vendidos para as províncias do Sul. Na década de 1880 ocorreram diversos confrontos entre abolicionistas e senhores de escravos em várias cidades do país. Na década de 1880, alguns grupos abolicionistas passaram a atuar com mais freqüência nas áreas rurais incitando os escravos a fugir, oferecendo esconderijo e alternativas de emprego nas cidades. Em São Paulo, um grupo autodenominado Caifazes atuou durante toda a década de 1880. Antonio Bento de Sousa e Castro proveniente de uma família abastada, advogado, promotor e juiz de direito, era o líder do movimento, mas a maioria dos caifazes era formada por tipógrafos, artesãos, pequenos comerciantes e ex-escravos. Reunidos na sede da irmandade negra de Nossa Senhora dos Remédios, os caifazes contavam com diversos colaboradores na cidade de Santos e São Paulo que recebiam e acomodavam em esconderijos os fugitivos. Os caifazes atuaram em várias cidades do oeste paulista, onde se concentrava a maior parte dos escravos da província. Em 1886, a cidade portuária de Santos transformou-se no refúgio preferido dos escravos que fugiam das fazendas de café do interior paulista. Em novembro de 1886, o presidente da província enviou para ali uma força de vinte soldados para patrulhar as ruas e capturar escravos fugitivos. Mas o trabalho da polícia foi impossibilitado pela reação popular. Os escravos capturados eram resgatados e soltos pelo povo. Além dos personagens já consagrados, o movimento abolicionista era formado por muita gente do povo. Foram essas pessoas que estiveram à frente dos movimentos de rua, enfrentando a polícia que perseguia escravos fugidos, distribuindo jornais, discutindo nas tavernas (casa onde se vende vinho e outras bebidas alcoólicas a varejo). É o caso de João Pinto Ferreira, que ocultava escravos em seu sítio em Barueri, São Paulo. Na Bahia, Jorge Saveirista, Ismael Ribeiro e Manoel Benício dos Passos tiveram participação marcante nas manifestações que agitaram a cidade de Salvador na última década da escravidão.


Rebeldia escrava e o fim da escravidão

Depois de 1885, as fugas coletivas se sucederam em várias regiões do país. Em muitas ocasiões, fugiam grupos de dez, vinte ou mais escravos de uma mesma propriedade sem que os senhores pudessem impedi-los. Essas fugas coletivas são consideradas o maior movimento de desobediência civil da nossa história.
Nos anos que antecederam a abolição, a polícia havia perdido o controle diante do volume de fugas e muitos policiais começaram a se recusar a perseguir escravos fugidos, ou por terem aderido ao abolicionismo, ou por temerem a reação popular nas ruas. Em algumas regiões, levantes escravos efetivamente ocorreram. Em 31 de outubro de 1882, 120 escravos da fazenda Cantagalo, em Campinas, na província de São Paulo, sublevaram-se (amotinaram-se) e marcharam em direção à cidade. No caminho entoaram diversas palavras de ordem, numa delas davam “Viva a liberdade”. O curto espaço de tempo em que ocorreram e a proximidade das localidades chamaram a atenção dos fazendeiros e das autoridades policiais da província.
A sucessão de movimentos de escravos nas fazendas, desafiando a tranqüilidade pública, assustou as autoridades policiais de várias cidades brasileiras. Aquelas rebeliões mostraram que, além de reivindicarem direitos costumeiros de acesso à terra ou diminuição da jornada de trabalho, os escravos passaram a manifestar abertamente que desejavam o fim do cativeiro. A partir de 1887, diante das fugas de escravos e da radicalização do movimento abolicionista, os senhores começaram a por em prática seu próprio plano de emancipação por meio da concessão em massa de alforrias.
O aumento da criminalidade escrava, as sublevações e as fugas mostraram que já não havia como manter o sistema escravista. Eles esperavam que, presos pela dívida de gratidão, os libertos permanecessem nas propriedades. A poucos dias da abolição, um fazendeiro da região declarou que libertara mais de cem escravos sem impor qualquer condição. Outros prometiam a liberdade depois da safra de 1888. Mas houve senhores que não abriram mão dos seus escravos até o último dia da escravidão. Estes ainda apostavam na possibilidade de conseguir indenização pela perda da propriedade escrava caso o governo decretasse a abolição. A princesa regente promulgou a Lei de 13 de Maio de 1888 que extinguiu em definitivo a escravidão no Brasil. Com dois artigos apenas, a lei colocava fim a uma instituição de mais de três séculos. Por ela os senhores não seriam indenizados, nem se cogitou qualquer forma de reparação aos ex-escravos. Para os ex-escravos a liberdade significava acesso a terra, direito de escolher livremente onde trabalhar, de circular pelas cidades sem precisar de autorização dos senhores ou de ser importunado pela polícia, de cultuar deuses africanos ou venerar à sua maneira os santos católicos, de não serem mais tratados como cativos e, sobretudo, direito de cidadania.

O 13 de maio e a luta pela cidadania
A notícia da abolição definitiva do cativeiro no Brasil foi bastante festejada nas cidades brasileiras. No Rio de Janeiro grande multidão se concentrou diante do Paço Imperial para festejar a assinatura da Lei Áurea Em seguida houve desfile de entidades abolicionistas e populares pelas ruas da cidade. Em Salvador, desde o dia 13, entidades abolicionistas, estudantes, populares e ex-escravos ocuparam as ruas e desfilaram pelo centro da cidade ao som de filarmônicas. Queimaram-se fogos de artifício e as fachadas das casas particulares e repartições públicas ficaram iluminadas durante várias noites.
Em Salvador a festa se estendeu por mais alguns dias. Em 18 de maio, uma grande “romaria popular” dirigiu-se à igreja do Senhor do Bonfim para agradecer a liberdade dos escravos. Os festejos dos 13 de maio transformaram-se em grande manifestação popular e isso refletia em grande medida a amplitude social do movimento antiescravista no Brasil.
O romancista Machado de Assis recordou que as comemorações que se seguiram à promulgação da Lei Áurea foram “o único delírio popular que me lembro de ter visto”. No dia 13 de maio mais de 90 por cento dos escravos brasileiros já haviam conseguido a liberdade por meio das alforrias e Foi uma notável conquista social e política. Mas é preciso perceber como os ex-escravos buscaram viabilizar suas vidas após a abolição.
Passada a festa, os ex-escravos procuraram distanciar-se do passado de escravidão rechaçando papéis inerentes à antiga condição. Em diversos engenhos do Nordeste eles se negaram a receber a ração diária e a trabalhar sem remuneração. Inegavelmente, os dias que se seguiram à abolição foram momentos de tensão, pois estavam em disputa as possibilidades e limites da condição de liberdade.
Muitos ex-escravos, porém, permaneceram nas localidades em que haviam nascido. Estima-se que mais de 60% deles viviam nas fazendas cafeeiras e canavieiras do Centro-Sul do Brasil. Mas decidir ficar não significou concordar em se submeter às mesmas condições de trabalho do regime anterior. Muitas vezes, os ex-escravos tentaram negociar as condições para sua permanência nas fazendas. No entanto, negociar com os libertos parece ter sido uma situação para a qual seus ex-senhores se mostraram indispostos.
Na região açucareira do Recôncavo, os libertos reivindicaram a diminuição das horas de trabalho e dos dias que deveriam dedicar à grande lavoura de cana. Exigiram também o direito de continuar a ocupar as antigas roças e dispor livremente do produto de suas plantações. Nos dias seguintes aos 13 de Maio, libertos ocuparam terras devolutas de engenhos abandonados e iniciaram o cultivo de mandioca e a criação de animais. Isso mostra que os ex-escravos percebiam que a condição de liberdade só seria possível se pudessem garantir a própria subsistência e definir quando, como e onde deveriam trabalhar. Para os ex-escravos e para as demais camadas da população negra, a abolição não representou apenas o fim do cativeiro. Para eles a abolição deveria ter como conseqüência também o acesso à terra, à educação e aos mesmos direitos de cidadania que gozava a população branca. Após o dia 13 de maio, um grupo de libertos da região de Vassouras, no Rio de Janeiro, endereçou uma carta a Rui Barbosa, então figura importante da política nacional. Na carta, eles reivindicavam que os filhos dos libertos tivessem acesso à educação. “Para fugir do perigo em que corremos por falta de instrução, vimos pedi-la para nossos filhos e para que eles não ergam mão assassina para abater aqueles que querem a república, que é a liberdade, igualdade e fraternidade” nenhum plano educacional foi elaborado tendo em vista a inclusão social dos filhos de ex-escravos. A abolição estava prestes a completar um ano, a monarquia entrara em colapso e aquelas pessoas, ex-escravos, agora tinham planos de ascensão social para seus filhos.


Capítulo VIII

LUTAS SOCIAIS NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX


O fim da escravidão em 1888, e da monarquia em 1889, gerou instabilidade social e incertezas acerca do futuro do país. Não era apenas o trabalho dos escravos que os proprietários perdiam, mas também a sua posição de mando parecia correr risco. Visando preservar a autoridade dos ex-senhores algumas providências foram tomadas Chefes de polícia, delegados, jornalistas e deputados, dentre outros, imaginavam que a extinção do cativeiro pudesse despertar “ódios raciais”. Eles temiam que os negros interpretassem o fim da escravidão como oportunidade para contestar as desigualdades sociais e para promover vinganças. Muitos argumentavam que os negros não se adaptariam a uma sociedade sem rei, feitor e senhor. Depois da abolição, ficava evidente que gente de prestígio e dinheiro não estava disposta a abrir mão de sua posição sócio-racial. Os partidários dessa visão tinham a seu favor um grande argumento, as teorias raciais.

Teorias raciais no Brasil

Até as primeiras décadas do século XIX, em Portugal e nas colônias portuguesas, o termo raça estava associado a religião e a descendência. Era o chamado “estatuto da pureza de sangue”. Segundo a lógica do antigo regime português, quem não professasse ou fosse recém convertido à fé católica era considerado descendente de “raça infecta”, gente de “sangue impuro”. O estatuto de pureza do sangue limitava o acesso de determinados grupos sociais, como ciganos, indígenas, negros e mulatos a cargos públicos, eclesiásticos e a certas irmandades religiosas, assim como à titulação de barão e conde. Desse modo eram garantidos os privilégios da nobreza européia formada por cristãos velhos. Era, portanto, a religião e o nascimento que justificavam as desigualdades sociais. As teorias raciais foram inventadas no século XIX na Europa e nos Estados Unidos para explicar as origens e características de grupos humanos. Essas teorias tiveram grande aceitação no Brasil entre 1870 e 1930. Elas tinham por base argumentos biológicos, convincentes na época, que relacionavam as características físicas dos indivíduos à capacidade intelectual Desse modo, a humanidade passou a ser classificada a partir de estágios civilizatórios: as nações européias eram o modelo de sociedades mais adiantadas, e os povos africanos e indígenas eram tidos como os mais atrasados e “bárbaros”.
Cabia à ciência, e não mais à religião, explicar como algo natural a expansão colonialista européia na África e na Ásia. Podemos dizer que foram basicamente quatro os argumentos da “ciência racial” que tiveram grande aceitação na sociedade brasileira daquele tempo:
1. que havia raças diferentes entre os homens;
2. que a “raça branca” era superior à “raça negra”, ou seja, os brancos eram biologicamente mais
inclinados à civilização do que os negros;
3. que havia relação entre raça, características físicas, valores e comportamentos;
4. e, ainda, que as raças estavam em constante evolução, portanto era possível que uma sociedade pudesse ir de um estágio menos desenvolvido para outro mais adiantado, sob certas condições.
A conseqüência da miscigenação era um dos itens mais polêmicos das teorias raciais. Para alguns a “mistura racial” criava um tipo biológico e social degenerado e incapaz mentalmente, o mulato (Filho de pai branco e mãe negra, ou vice-versa; pardo). O termo mulato provém da palavra mula, o animal estéril que nasce do cruzamento do jumento com a égua.
Em 1894 segundo Nina Rodrigues os criminosos deveriam ser julgados por critérios diferenciados, pois os negros seriam naturalmente incapazes de compreender certas regras sociais e, portanto, não poderiam ser responsabilizados penalmente do mesmo modo que os brancos. Na sua lógica, por conta das hierarquias raciais, os negros deveriam ter um tratamento jurídico diferenciado. Já em 1899 ele publicou um estudo intitulado “Mestiçagem, crime e degenerescência”, no qual relacionou certos problemas psiquiátricos a miscigenação racial. No entanto, as suas convicções racistas não o impediram de realizar pesquisas importantes sobre a presença africana no Brasil. Mas para outros era justamente a miscigenação que garantiria a civilização no Brasil. A esperança era que, em médio e longo prazo, o país se tornasse predominantemente branco. Desse modo a “raça branca”, considerada mais evoluída, corrigiria as marcas deixadas na população brasileira por aquelas tidas como “raças inferiores”, negros e índios. Daí os investimentos na imigração de trabalhadores europeus e as barreiras para a vinda de negros e asiáticos. Aos imigrantes brancos caberia o papel de civilizar os costumes e embranquecer as peles, remediando, na lógica da época, os danos de séculos de escravidão de africanos. Em 1890, para estimular a imigração européia, o recém-instaurado governo republicano mandou divulgar no exterior que os estrangeiros dispostos a trabalhar no Brasil eram bem-vindos, exceto os asiáticos e africanos. A polícia estava autorizada a impedir o desembarque de negros e asiáticos nos portos do país. Em 1921 dois deputados federais, Andrade Bezerra e Cincinato Braga, apresentaram na câmara o projeto de lei nº 209, que proibia “a imigração de indivíduos humanos das raças de cor preta”. Embora o projeto não tivesse sido aprovado, a repulsa à imigração de negros e asiáticos continuou latente na sociedade brasileira.
Havia até quem calculasse que cem anos, no máximo, seriam suficientes para que o sangue, a pele e os costumes dos brasileiros “branqueassem”.

Em 1911, durante o Congresso Internacional das Raças realizado em Londres, o representante brasileiro, Batista Lacerda, garantiu que no início do século XXI já não haveria negros no país e que o número de mulatos seria insignificante. O jornal Correio da Manhã publicou um texto do então ex-presidente norte-americano Theodore Rossevelt, observou na população e considerou que em pouco tempo o negro desapareceria no Brasil, por causa da miscigenação. O ideal de embranquecimento continuou a fazer parte explícita dos projetos do governo brasileiro até a década de 1930. A reação da população negra e pobre à efetivação desses projetos sociais e políticos que os excluíam ganhou expressão já nos primeiros anos da Primeira República. A ação negra movimentou a cena política em todo o país. Promovendo revoltas urbanas e rurais, a população negra reivindicou as mudanças que o novo regime havia prometido e os ganhos sociais que a abolição deveria ter-lhes assegurado.
Em agosto de 1871, o governo Imperial autorizou o funcionamento, em São Paulo, da Associação Auxiliadora de Colonização e Imigração. À associação era permitido financiar parte dos custos com o transporte e instalação dos imigrantes. Muitos fazendeiros aderiram ao trabalho imigrante por meio dessa associação. Durante a Primeira República o governo de São Paulo se dispôs a assumir os gastos necessários com a imigração. Era a chamada imigração subvencionada. Em 1907, o governo divulgou na Europa um panfleto que defendia que no Brasil as epidemias estavam sob controle. No texto comparavam-se os índices de mortalidade de várias cidades do mundo, para concluir que São Paulo e Rio de Janeiro tinham taxas mais baixas que Madri, Lisboa e Roma. Do mesmo modo, Salvador e Curitiba eram cidades mais saudáveis que Boston e Nova Iorque. Por conta desses esforços, em 1914, 2 milhões e 700 mil imigrantes, em sua maioria italianos, moravam no Brasil. Mais da metade deles no Estado de São Paulo.
Manoel Bomfim, não considerava que a numerosa população negra era o que explicava o atraso da sociedade brasileira. Para ele, as teorias raciais não passavam de “ciência barata” que, covardemente, era usada para garantir a exploração dos fracos pelos fortes. Além de insistente contestador da validade científica das teorias raciais, criticou os políticos brasileiros por não terem se empenhado por melhores condições de vida para os negros depois da abolição.

A Guerra de Canudos

Entre novembro de 1896 e outubro de 1897, Canudos foi um povoado no sertão da Bahia, numa região de caatinga (vegetação arbustiva, sem folhas na estação seca, típica do N.E., N. de MG e MA) cercada por morros e à beira do rio Vaza-Barris. Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, chegou ao vilarejo em 1893 com algumas centenas de fiéis e logo passou a chamar o lugar de Belo Monte. Negros, muitos deles ex-escravos eram maioria entre os moradores de Belo Monte. Também havia um grande número de índios Kaimbé e Kiriri. Os habitantes eram agricultores, artesãos e vaqueiros, uma gente que há muito peregrinava pelos sertões em busca de trabalho e de melhores condições de vida.
Em maio de 1895, um grupo de frades capuchinhos foi enviado ao povoado pelo Arcebispo de Salvador, D. Jerônimo Tomé, com a tarefa de convencer os peregrinos a se afastar de Conselheiro e de suas pregações. A missão durou apenas oito dias e fracassou.
Durante um ano a população de Canudos enfrentou mais de dez mil soldados recrutados em 17 estados brasileiros e organizados em quatro expedições militares. Até que no dia 5 de outubro os sertanejos de Belo Monte foram vencidos. Calcula-se que morreram mais de 25 mil pessoas. Entre as ruínas das 5.200 casas da cidade, se viam dezenas de corpos de homens, mulheres e crianças carbonizadas. Quem sobreviveu aos combates morreu degolado. Mulheres e crianças negras entre os prisioneiros de Canudos. Muitas dessas crianças foram arrancadas de suas famílias e empregadas em casas de famílias baianas de classe média. Em 1969 o açude de Cocorobó encobriu a velha Canudos.


A Revolta da Vacina

Desde meados do século XIX a febre amarela e a varíola se tornaram endêmicas (doença que existe constantemente em determinado lugar) no Brasil. Os médicos tentavam identificar as formas de transmissão e tratamento das doenças que, pouco a pouco, se tornavam o grande problema de saúde pública do país. Mas as políticas sanitárias não escaparam da lógica racial que orientava muitas decisões governamentais. Foi o que se notou, por exemplo, em relação ao controle da febre amarela. Entre 1850 e 1904, essa doença vitimou no Rio de Janeiro principalmente a população branca, em especial imigrante estrangeiros. Já a tuberculose, que fazia mais mortes entre os negros, não teve a mesma atenção.
O projeto nacional de embranquecimento podia sucumbir diante das epidemias. Os médicos higienistas estavam crentes de que eram nas habitações coletivas de gente negra e pobre, mais precisamente nos cortiços (habitação coletiva de pessoas pobres) do centro da cidade, que as epidemias surgiam e se disseminavam. Por isso os cortiços eram regularmente visitados pelos “matamosquitos” que, acompanhados por policiais, se encarregavam de desinfetar casas, limpar ruas, exigir reformas e demolições, além de identificar e remover doentes.
Em janeiro de 1893, na cidade do Rio de Janeiro, o cortiço conhecido por Cabeça de Porco foi destruído, os jornalistas elogiaram a ação do prefeito Barata Ribeiro. Jornalistas, médicos, políticos e a polícia enxergaram naquela demolição um investimento na saúde e na segurança pública, e ficaram indiferentes à sorte dos moradores negros e pobres.
Foram as pessoas expulsas de cortiços, como o Cabeça de Porco, que passaram a habitar os morros, criando as favelas (conjunto de habitações populares, em geral toscamente construídas e usualmente deficientes de recursos higiênicos).. Ao ser aprovada a lei que tornava obrigatória a vacina contra varíola para todos os maiores de seis anos de idade, a população dos cortiços tomou as ruas e uma grande mobilização popular se fez notar na capital federal. Em protesto, milhares de pessoas enfrentaram as forças da polícia, do Exército e da Marinha no mês de novembro de 1904.
No dia 10, um grupo de estudantes saiu às ruas convocando a população a resistir à vacina. Foi o primeiro ato público de uma série só encerrada no dia 17 de novembro. Foram dias de caos: queima de bondes, barricadas e saques se multiplicaram. Durante uma semana a violência imperou nas ruas do Rio de Janeiro. No dia 16, a cidade estava em estado de sítio. Ao fim da revolta popular, um saldo desastroso: vinte três mortos, quase mil presos e muitos feridos nos confrontos, além daqueles submetidos a torturas na ilha das Cobras e outros tantos deportados para o Acre. Os instrumentos de punição: O uso da chibata, das correntes de ferro e da palmatória (peça circular de madeira, provida de cabo, com a qual se castigava alguém batendo-lhe com ela na palma da mão; férula) provava que as antigas práticas punitivas impostas aos escravos continuavam a fazer parte dos recursos da polícia para castigar homens livres, na sua maioria os negros. Com o fim da escravidão, a cidade se tornou o principal destino não só de negros libertos pela Lei Áurea, mas também de tantos outros que esperavam obter melhores oportunidades no mercado de trabalho.
Em 1890, 26% da população carioca era formada por migrantes, em sua maioria negros nordestinos. O ato de vacinar mulheres e crianças em suas casas, muitas vezes na ausência dos homens, pareceu aos revoltosos uma violação da moral, uma intromissão na vida doméstica.

A Revolta da Chibata

Em 23 de novembro de 1910, no Rio de Janeiro, navios de guerra em posição ofensiva na baía de Guanabara. Todos ostentavam uma bandeira triangular vermelha. A tripulação era de marinheiros rebeldes a exigir o fim dos castigos corporais, aumento de soldo e o afastamento de oficias que puniam injustamente os soldados da Marinha brasileira. Do mar, os marinheiros gritavam: “viva a liberdade”. O líder da revolta foi o marinheiro negro João Cândido Felisberto. Sob suas ordens, a cidade do Rio de Janeiro acordou com o estrondo dos canhões. Os disparos avisavam que caso as reivindicações não fossem atendidas em doze horas, a capital federal seria bombardeada.
Por três dias a população se manteve apreensiva diante do risco de ter suas casas destruídas pelos tiros dos canhões de longo alcance.
Os oficiais, em sua maioria branca, foram feitos prisioneiros a bordo daqueles navios. Em 15 de novembro, comemoração da proclamação da república foi o dia escolhido, mas um forte temporal dispersou os marinheiros. Então, ficou combinado que a revolta aconteceria entre os dias 24 e 25. Um castigo de 250 chibatadas aplicadas no marinheiro Marcelino Rodrigues antecipou o fato, e às 22 horas do dia 22 um corneteiro anunciou o movimento que ficou conhecido como Revolta da Chibata.
Desde a segunda metade do século XIX que grande parte dos soldados da Marinha eram libertos que viam no serviço militar uma possibilidade de se diferenciar dos escravos no mundo do trabalho ou negros e brancos pobres recrutados à força pela polícia como pena por vadiagem e pequenos delitos. Daí os marinheiros serem vistos como perigosos, indisciplinados, pessoas que precisavam ser vigiadas, controladas e punidas severamente. Quando a República foi proclamada, os castigos foram proibidos nos navios brasileiros. A medida era uma resposta às constantes queixas da marujada contra os oficiais, que não os poupavam de surras com chicote, nem de prendê-los pelo pescoço a um poste ou mastro por meio uma argola, tal qual se fazia antes com os escravos. Entretanto, o decreto nº 328 de 12 de abril de 1890 voltou a permitir os castigos físicos. Autorizou-se não só o uso da chibata, mas o rebaixamento de salário e da patente, prisão e humilhações de todo tipo. A primeira grande revolta teve lugar em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1893, e pouco tempo depois no Rio de Janeiro. Exigiam mudanças na legislação penal e disciplinar da Marinha de Guerra, além de melhores condições de trabalho. Assim que eles se entregaram foram presos e quase todos surrados ou mortos. A revolta dos marujos e a posterior repressão do governo revelavam o quanto a República estava distante dos princípios de liberdade e igualdade que havia anunciado ao ser proclamada.
Filmes:

Amistad (1997). Direção Steven Spielberg. 148 minutos.
Quilombo (1984). Direção Cacá Diegues. 119 minutos Videos/filmes
Atlântico negro: na rota dos orixás. Direção Renato Barbieri. 53 minutos.
Filhas do vento (1997). Direção Joel Zito Araújo. 85 minutos.
Quanto vale ou é por quilo? (2004) Direção Sérgio Bianchi. 108 minutos.
Quilombos da Bahia (2004). Direção Antônio Olavo. 98 minutos
O que remanesceu (1997). Direção Flavio Gomes e Pedro Simonard. 15 minutos
Descendentes da terra (1995). Direção Ronald Almenteiro.

Sites

www.ufma.br/canais/gpmina/index.htm
www.emfolclore.ufma.br
www.abdias.com.br
www.ibge.gov.br
www.geledes.org.br
www.quilomboje.org.br

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A cada dia aprendendento um mundo que renova-se rápidamente por causa das inovações. Sou persistente em conhecer algo novo e assim poder socializá-lo, seja contribuindo os meus conecimentos. "Quem sabe das coisas, sabe muito mais que eu"

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Este blog tem por finalidade fazer com que os alunos socializem nas atividades sobre as questões reciclagem do plástico: Como é ele feito? Quais são os problemas ambientais que o plástico está provocando? Como faço a reciclagem em casa e na escola? Como reutilizar os materiais e fazer algo novo com o plástico de forma que proteja a vida?